Era a festa cristã do final do ano, que substituíra as festas pagãs do solstício de Inverno. Sendo a festa da família, mesmo vinda de longe, como era o caso dos ambulantes, esta juntava-se na casa dos avós ou pais para comer a consoada, em que não faltavam as filhoses.

Seguiam depois para a missa do galo, bem encapotados, pois o frio apertava e muitas vezes nevava. Cantavam o Alegrem-se os Céus e a Terra e outros cânticos de Natal e beijavam o Menino. O presépio no altar da Senhora do Rosário lembrava as cenas bíblicas relacionadas com o nascimento de Jesus, em cuja feitura colaboravam miúdos e crescidos na procura de musgo para a paisagem verdejante e serradura para sinalizar os caminhos.
Na Praça deitavam fogo ao madeiro, no qual batiam com cacetes e bengalas para o atiçar: «Zumba no madeiro, que ainda está inteiro!», clamavam. Este era feito de grandes troncos de castanheiros roubados nos terrenos, onde permaneciam já arrancados á terra, que os rapazes, em noites anteriores, haviam carregado em carros de vacas roubados nos currais.
Antes de se deitarem, os meninos colocavam o sapatinho ou tamanco junto ao lume, esperando que o Menino, descendo a cheminé, lhes colocasse neles algum presente. Ainda não se falava em Pai Natal. De manhã era ver a alegria da miudagem a tirarem os presentes do sapatinho.
Infelizmente, devido à pandemia da Covid-19, o Natal de 2020 não vai poder ser igual ao de anos anteriores, em que toda a família se juntava. Oxalá o de 2021 já possa ser igual ao de 2019.
É dos momentos mais feéricos da minha infância, recordados com imensa saudade, razão por que lhe dedico estas quintilhas…
O NATAL
Cai muita neve na serra,
Como sempre, branca e fria.
Mas nesta grande fogueira
Cantamos com alegria
Alegrem-se os céus e a terra!
À lareira, todos juntos,
Aguardam que a péla aqueça
Para fazer as filhoses,
Bom petisco que se teça,
Juntamente com as nozes.
Já seguem para a igreija,
Já depois de bem comer,
Para ver o Deus Menino,
Acabado de nascer,
Sorrir a quem quer que o beija.
Na missa do galo cantaste
O Alegrem-se os céus e a terra.
No Presépio deitado,
Cheio de frio, coitado!
O Menino tu beijaste.
Para bem o aquecer
Na Praça o madeiro acendeste.
Vais bater-lhe pr’a atiçar,
Algumas brasas reter
E p’ra casa as vais levar.
As crianças a dormir
Depois da neve pisarem
Com os tamancos ferrados,
Próprios para nela andarem
E suas pernas não partir.
Presentinhos a esperarem
Ao canto da cheminé,
Metidos nos sapatinhos
Onde ninguém põe o pé
Antes delas acordarem.
De manhã é a alegria
De ver o que o Menino
Pôs dentro do sapatinho.
Pais acordam por destino
Por entre tal gritaria.
No largo contam aos outros
Que cada um recebeu
No tamanco, se maior.
O que o Menino lhes deu
São presentes do melhor.
À lareira, bem quentinhos,
Calçam seus caturnos novos
Que as mães com tanto carinho
Fizeram a amêndoas, ovos.
Que bem ficam nos pezinhos!
Outro veste o casaquinho
Mandado fazer a alguém.
Foi a prenda do Menino
Escondida pela mãe
E chegou ao sapatinho.
Em casa havia presépios
Com musgo e figurinhas.
E a boa Sagrada Família
Com pastores e ovelhinhas
Como em antigos impérios.
Agora é só Pai Natal
P’ra mais presentes venderem
Em comércios e mercados.
Do Menino se esquecerem
E abandoná-lo ‘stá mal.
Presépio agora não há
Na casa de cada um.
Só à janela se vê
Uma imagem de Jesus.
Passou de moda, já está!
Inda há quem o substitua
Por pinheiro. Menos mal!
Não é como antigamente,
Mas ainda tem presente
O Mistério do Natal.
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«Lembrando o que é nosso», por Franklim Costa Braga
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