Oh Senhor! Não somos de onde nascemos, mas sim de onde edificamos e preenchemos a nossa memória. Somos de onde construímos a nossa história e de onde encontramos e damos sentido à vida, à sentida e à vivida!

Senhor! Tem sido, por aqui, neste Território dos Cinco Elementos, o nosso espaço de encontro, após desencontros, que perduram há cinco décadas e uns anos.
Sim, tem sido por aqui, sem hora e dia marcado, o nosso Ponto de Encontro neste lado isolado, profundo e distante, de onde há muito nos afastamos para longe e saímos do nosso interior, do ventre do nosso território, das nossas origens e nos distanciamos das nossas raízes.
Na nossa naturalidade e genética somos de uma só família, a nossa ascendência, e, de um só espaço, nossas origens. Mas nada nos impede de nos ligarmos de forma afectiva e sentimental a muitos espaços, para onde viajamos e onde optamos viver. Assim como nada nos impede de nos ligarmos a muitas outras pessoas, à família do coração, os nossos amigos, e à família de novo sangue, a nossa descendência. Mas na história e cultura de uma vida precisamos muito de um espaço de pertença, humano, humanizado e biopsicosocioespiritomemoafectivo para nos mantermos e sermos parte do todo, de um vivido e sentido lugar!
E é por aqui, neste lado de dentro, de um interior profundo da Beira, que nos abeiramos de Ti. Na Raia que raia e nos ilumina! Na Riba-Côa que arriba o nosso encanto, na aldeia e natureza de onde somos naturais e nos arredores onde crescemos, que a nossa crença espiritoteológica se restabelece e cresce num forte e sentido contacto Contigo.
É aqui que Te encontramos com facilidade. Pisgamo-nos de casa, entramos num qualquer trilho, caminho ou vereda pelo campo e é quanto nos basta para Te encontrar. A certeza de que Tu existes está no impulso do chamamento para toda a caminhada neste nosso (en)canto do mundo. Avisamos-Te nos imponentes barrocos. Escutamos-Te nos ribeiros que correm para o Rio e nos ecos do Côa que soam pelo vale por onde corre para o mar. Observamos-Te nos reflexos das suas águas. Ouvimos-Te no vento que sopra dos montes. Inspiramos-Te no ar puro e gelado que se condensa em cada expiração. Sentimos-Te na brisa que toca as folhas dos carvalhos centenários. Escutamos-Te no ruído que fazem os ouriços quando se abrem para soltar as castanhas dos milenários castanheiros. Sentimos-Te na sombra e claridade dos frondosos bosques e densos soutos. Sentimos-Te nas diferentes texturas e tonalidades da terra batida que calcorreamos. Sentimos-Te na luz e na contra-luz, no calor e nas sombras que arquitetas num jogo de iluminação que acontece tanto com o Sol como com a lua. Por aqui És materializável e torna-se fácil comprovar, construir, operacionalizar, concretizar e integrar a Tua existência.
No dia a dia da nossa labuta, nem tempo há para Te encontrar. Como dizia o Voltaire, cumprimentamo-nos, mas não falamos. Não há tempo para conversas longas, íntimas, contemplativas ou profundas nem para contactos fortuitos. Aumenta a nossa ansiedade só de pensar parar os afazeres da vida quotidiana. Angustiamos neste mundo convulso, onde é difícil Te encontrar, no qual negamos a existência de tempo e onde adiamos repetidamente essa procura e esse encontro. E Tu também te recusas a aparecer ou apenas Te escondes no ruído e na velocidade do movimento da vida agitada, em que não Te ouvimos e nem conseguimos Te acompanhar, porque estamos em espaços diferentes e temos ritmos dessincronizados.
Mas aqui, nas terras frias, num qualquer dia dos nove meses de inverno ou dos três de inferno, no refúgio e abrigo das nossas memórias, no espaço distante do bulício, a terapia e o balsâmico da fé são outros. Aqui esbatemos as preocupações e restabelecemos a nossa energia e voltamos a ligar-nos e a contactar Contigo, através do intenso e puro deleite de tudo o quanto por aqui nos é oferecido para Tua e nossa contemplação.
De tempos em tempos fugimos para cá, para nos encontrarmos Contigo e connosco próprios. Fazendo deste espaço o local de retiro ou refúgio para reposição e busca da essência do nosso equilíbrio. É aqui que há a melhor terra para religar e nutrir as nossas raízes, fortalecer o nosso vínculo de pertença e a identidade do ser daqui. Deste lugar!
Nos dias em que voltamos e nos atrevemos a descobrir-Te, sabemos que Estás sempre por ali à espreita e ao dispor de quem de Ti quer desfrutar ou ter-Te por companhia. Conseguimos alcançar facilmente a materialização, a concretude e objetivação da realidade da Tua omnisciência, omnipresença e omnipotência, que resulta da fusão e simbiose entre o divino e o natural, o físico e o espírito, o emotivo e o afectivo, o vivido e o sentido da Tua presença enquanto Um Todo, Um Tudo e Um Tanto – Deus Sive Natura.
Caminhar neste imenso território afectivo das nossas memoraízes, espaço esquecido e isolado das grandes massas, mas saudoso e fortemente lembrado e enraizado por quem aqui tem muitas das suas memórias, é como retornar a nascer e dar graças pela existência de nós mesmos e sobre tudo o que por aqui Criaste: a nossa história, a nossa pertença , a nossa identidade e tudo o que a ela nos liga e prende!
Não importa a hora ou o tempo, mas sim a força e energia da Tua luz nos momentos e nos espaços que medeiam, entre o nascer e o pôr do sol. As forças da natureza agreste, sentidas nas assimétricas temperaturas de um clima tão diferente quanto as próprias estações do ano. Sensações tão próprias, severas e distintas que se estendem pelo complexo Monte Hermínio, mas que confinam no espaço geoafectivo situado entre o Monte de Vénus e o Homem de Pedra, todo ele envolto e protegido pelas abastadas e firmes Mesas da Nave Molhada. Sim é por aqui que encontramos forma, conteúdo e contacto com o Teu e o nosso ser.
Apreciamos, preferimos e adoramos a aspereza e diversidade geomorfológica da grandiosidade dos barrocos graníticos, das serras agrestes que os envolvem e todo o imenso vale destes nossos rios e ribeiras que por nós clamam. É por estas e outras forças naturais que fazem parte do nosso património individual e colectivo, que à casa original queremos voltar, sempre e muitas vezes.
O silêncio da robustez, imensidão, diversidade e dimensão das pedras deste território relembram-me que a vida é dura para quem é mole, mas que água mole em pedra dura também a fura.
Estarmos só no meio dos disformes e impressionantes barrocos e da natureza agreste, permite-nos encontrar a paz e o equilíbrio através da harmonia dos elementos que vemos à nossa volta que facilmente integramos e interiorizamos! Todo este espaço em que concebemos a terra como a carne e as pedras como os ossos e ossadas do esqueleto que dão estrutura e forma a todo este enorme Corpo que por aqui existe, que não fica pela nossa Beira, pois tem muito do nosso Interior, e complementa o nosso TODO.
É por aqui que Tu marcas diferença e te impões à resistência e dureza dos homens. É por aqui que muitos de nós se vergam, se quebram e sensibilizam na presença da Tua omnipotente força. Na beleza da natureza, na saudade da tradição e na memória de todos os aromas e sabores que nela cabem e aquela consegue transportar.
Sim é por aqui, no (re)viver da cultura, por nós enraizada, que tanto nos diferencia, mas que nos une e nos liga ao intenso passado tão comum, tão nosso, que as boas memórias teimam em (re)tornar tudo sempre tão presente.
São estes momentos e espaços em que somos contempladores e contemplados, com o dom da vida, que nos é possível ver-Te no invisível, através do que é a Tua criação e do que é a nossa obra. Na relação entre o divino e o humano, na inter-relação dos elementos naturais com os afectos, a memória e o sentir, interligados com o património edificado pelo homem.
As pedras dos montes talhadas por Ti e as pedras dos castelos, das muralhas, das ruas, quelhas, ruelas e calçadas, das casas, dos muros, das pontes, dos pontões e poldras, talhadas por nós.
Também nós, tal como tu, intervimos e actuamos na natureza e sobre a natureza.
Humanizamos a natureza mas precisamos de continuar a humanizar civilizações e comunidades para tentar parar de humanizar animais. Uma tendência social que se tem vindo a generalizar e sempre nos cria alguma repulsa e desilusão, quando se humaniza animais e animaliza humanos.
Ainda que todos sejamos criaturas e parte de Deus, a cadeia sacrificial tem de ser respeitada em prol da sobrevivência e para manter forte a nossa espiritualidade que nos permita continuar a desafiar e enfrentar as bravuras dos touros e as agruras da vida.
A natureza especifica, a nossa cultura, a nossa tradição e todo o património edificado deste território criam um equilíbrio e uma harmonia que nos preenche a alma, muito mais do que qualquer ravina, mar extenso ou praia paradisíaca de uma paisagem infinita de um litoral ou de qualquer magnifica urbe pejada de massas.
Por ali, no mundo de massas, amassados, maçamo-nos e afastamo-nos de Ti e damos por nós mais focados no concreto, no ter, no gozar e no consumir do que no prazer do abstracto, do orar e do contemplar, do SER.
É por estas razões e por muitas outras sensações que queremos sempre voltar aqui! Voltar onde já são muito poucos os que querem voltar. Voltar onde muitos dos que partiram se perderam no caminho percorrido e o regresso foi convertido num ingresso para outras paragens sem retorno.
Voltar onde só voltam os que mantiveram e criaram laços, sentido e significado para manter o caminho dos afectos aberto para os encontros e reencontros após forçados desencontros.
Diz-se que as raízes morrem onde nascem.
As raízes, nascem, vivem e morrem no mesmo lugar. Apenas as sementes partem com o vento, no leito dos rios ou no voo das aves.
Mas é aqui que criámos e mantemos laços. É aqui que temos estórias que escrevem a nossa história e dão sentido à vida! É por isso que a tentamos passar e viver em coautoria com os nossos filhos e descendência, para que a nossa história se cruze com as estórias deles e para que juntos reescrevamos uma história conjunta que nos permita sempre voltar a maravilhar-nos com a Tua e a nossa criação, nestas terras abençoadas da nossa Beira, nosso Interior, nossas Raízes, nossas Origens, nossa Terra Natal, Senhor!
Um Santo Natal!
Meu abraço dos cinco costados!
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ps. Fizemos uma interrupção no «Teorema do Território dos Cinco Elementos», para partilha desta contemplação mais natalícia, mas regressaremos na próxima semana com novos axiomas. Mantenhamos a chama da esperança acesa e no próximo ano havemos voltar a sentir o calor do Madeiro de Natal/Fogueira do Galo e havemos de desfrutar de novo e em paz das ceias de Natal e compensar-nos com fraternos e muitos abraços que ficaram suspensos em 2020.
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«Território dos Cinco Elementos», crónica de António Martins
(Cronista no Capeia Arraiana desde Setembro de 2014.)
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Caro António! Que bonitas imagens!
Obrigado por estas memórias emotivas para mim e para muitos de nós…
Não desista: vá em frente, por favor.
Conheço estes barrocos todos desde garoto: via-os do «Marneto» e a alguns fui lá mesmo e gozei o panorama todo: entrou-me tudo na alma e por cá anda até hoje!
Mais uma vez: obrigado. Já devia ter escrito antes esta nota, mas hoje é que não resisti mesmo: conheço muito bem pedras destas na «Serra da Vila» (é assim que lhe chamamos nós no Casteleiro).
Venham outras de igual teor, OK?
Um abraço.
Viva José Carlos Mendes!
Grato fico eu por tão elevado estimulo e incentivo, vindo de assíduo e conceituado escriba do Capeia Arraiana, conterrâneo deste nosso quinto costado, como é o caso do nosso território e mesmas origens. Território comum que nos permite rever-nos nas partilhas da alma e do sentir, de tudo e tanto que nos rodeia e que preserva uma memória emocional e afectiva tão preenchida e a qual não é possível guardar para só para nós, sob risco de muito do nosso sentir e reflectir se perder na memória dos tempos.
Escrevemos, pintamos, cantamos, tocamos, dançamos, esculpimos, comemos, bebemos, rimos, choramos, festejamos para dar expressão e partilharmos o nosso sentir para que outros nos observem e interpretem. Em semelhança do que defendia Vargas Llosa sobre o seus livros, também muitos de nós apenas escrevemos meia crónica ou croniquetas (como carinhosa e humildemente as designava Manuel Leal Freire), a outra parte será sempre escrita por quem a lê, porque nenhuma crónica vive sem ser lida, sentida e interpretada por outrem.
E quando nos revemos na expressividade de alguém, melhor ainda, pois reforça o sentido de comunidade e de pertença e de que não estamos sós no devaneio dos sentidos!
E essa serra do seu encantamento, da Vila para si, e Opa para mim, faz parte da minha lista de montes e serras a subir e sentir!
Bem haja mais uma vez e um excelente 2021!
Meu abraço dos cinco costados!