Às terças-feiras é tempo da poesia de Georgina Ferro. A poetisa raiana junta a sua sensibilidade artística ao amor e às memórias pelas gentes e terras raianas…
CHUVADA QUE LAVA SAUDADES DA ALMA DA ALDEIA
A chuva verte fustigada pelo vento
Raios de luz furtivos rasgam o negrume
E eu ouço o tempo passado em queixume
Por não se ter demorado mais um momento
Pois é, já não se queimam raminhos benzidos
Enquanto o céu desencadeia a tormenta
Nem Santa Bárbara já se dispõe atenta
Às gentes que lhe faziam os seus pedidos
Esta chuvada que cai dos céus de Setembro
A lavar saudades da alma da aldeia
Que fica tão sozinha depois da capeia
Sem aquelas ternuras que eu tanto lembro
Ah!, aquele olor do feno a voltear
A malha do centeio espalhado na eira
As nossas correrias atrás da carreira
Para ouvir ler o correio ao chegar
O lume aceso manhãzinha, na lareira
Com a cafeteira a perfumar a café
A panela de ferro já ali ao pé
Para aproveitar o calor da fogueira
Vacas bamboleando o toar dos chocalhos,
O chiar dos carros a ranger pelos eixos
A água da ribeira a correr entre os freixos
Com roupa dependurada dos seus ramalhos
Aquela chuvada num outro temporal
Que inundou as «lojes», casas e lameiros
Nesse tempo em que todos eram bombeiros
Amigos de verdade no bem e no mal
As nossas crianças lançadas na candonga
Levando tabaco ou uns grãos de café
Andarilhando rudes carreiros a pé
Penosos, numa calcorreada tão longa!…
O salto para França em busca de pão
Com a roupa do corpo e poucochinho mais
Entre escolhos agrestes e vendavais
Sonhando vir depressa pegar ao forcão
Sorrindo retenho uma lágrima a custo
Ao lembrar as nossas cantigas, sempre em moda,
Cantadas por quelhas ou em danças de roda
À volta do fogo do alegre magusto
O tempo passou… ainda chove lá fora!…
E eu fui ao passado buscar alegria
Pois, cada hoje é um outro novo dia
Depressa, será um ontem que foi embora.
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«Gentes e lugares do meu antanho», poesia de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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Que saboroso!