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Página Principal  /  Futebol • Portugal e o Futuro  /  O fenómeno do futebol na sociedade portuguesa
14 Dezembro 2020

O fenómeno do futebol na sociedade portuguesa

Por Aurélio Crespo
Aurélio Crespo
Futebol, Portugal e o Futuro aurélio crespo Deixar Comentário

Nada tenho contra o futebol. Nos meus tempos de juventude, pratiquei regularmente este desporto com os amigos, no meio escolar, e em torneios organizados entre clubes rivais da minha região. Além disso, raramente perco uma oportunidade para assistir à transmissão televisiva dos jogos em que participam a seleção nacional e o clube da minha preferência, bem como à transmissão dos principais desafios das competições europeias. Por outras palavras, sou um fã desta modalidade desportiva, a que muitos chamam desporto-rei.

Programas mais vistos na televisão em 2019 - capeiaarraiana.pt
Programas mais vistos na televisão em 2019

Feita esta «declaração de interesses», sou de opinião de que o fenómeno do futebol ocupa um lugar manifestamente exagerado na sociedade portuguesa.

Desde logo nos media, tanto públicos como privados, que exploram desmesuradamente a paixão das massas pelo espetáculo desta prática desportiva e as rivalidades clubísticas que lhe estão associadas e que, obedecendo cegamente aos critérios comerciais da captação de audiências, atribuem a este tema uma prioridade incompreensível em relação a outras realidades do quotidiano nacional e internacional que, em minha opinião, deveriam merecer melhor tratamento informativo.

Na verdade, o futebol é, vezes sem conta, o tema de abertura dos programas de informação das estações de radio e notícia de destaque nas primeiras páginas dos jornais. Mas é sobretudo nos canais da televisão que este fenómeno atinge proporções mais desmedidas e mais inenarráveis. Senão vejamos.

Para além da transmissão sistemática dos jogos efetuados a meio da semana, aos sábados e aos domingos, são frequentes os casos em que o futebol é igualmente o tema que abre os telejornais das manhãs que se seguem aos jogos do campeonato nacional e das competições europeias quando nelas participam os clubes portugueses. Além disso, não há, neste país, um telejornal digno desse nome que, independentemente da hora do dia, da tarde ou da noite, não reserve no seu alinhamento das notícias um generoso espaço dedicado ao futebol.

Por outro lado, à hora do almoço, é certo e seguro que a RTP3, a SIC Notícias, a CMTV e, claro, a SportTV nunca se esquecem de servir aos comensais a «sobremesa» dos últimos episódios dos bastidores do futebol.

Horas mais tarde, ao cair da noite, a SIC Notícias, a TVI 24, a CMTV e a Sport TV, voltam de novo à carga, e, com a cumplicidade de três ou quatro comentadores desportivos, discutem até à exaustão, horas a fio, a possível compra e venda dos jogadores «apontados»  aos  chamados clubes grandes, examinando à lupa os respetivos perfis e performances, dando palpites sobre os seus valores de mercado, informando quais os clubes potencialmente interessados nos negócios e escalpelizando, até ao mais ínfimo detalhe, propostas e contra-propostas, bem como os valores das transferências e dos salários a auferir pelos jogadores em disputa. Na verdade, estas discussões intermináveis fazem lembrar o regateito de um mercado, no qual os jogadores são equiparados a meras acções cotadas em bolsa, que se compram e que se vendem, apreciação aliás confirmada por um dos programas televisivos atrás citados que, com toda a propriedade, se intitula «Mercado Aberto».

Acrescente-se que estes programas acontecem, tanto durante as épocas de Verão e de Inverno da chamada «janela de transferências» dos jogadores, como fora delas. Só para ilustrar o que antecede, basta citar o caso dos programas desportivos da SIC Noticias e da TVI 24 onde, vai para quatro meses, os comentadores andam a discutir, dia após dia, a eventual contratação de um jogador brasileiro pretendido por um clube de Lisboa, esgrimindo argumentos sobre a sua performance, sobre a necessidade e a urgência da sua contratação e as exigências do clube vendedor e as possibilidades financeiras do clube comprador, de tal modo envoltos numa barganha ruidosa, acesa e apaixonada que, às tantas, os ditos comentadores mais parecem partes diretamente interessadas no negócio… Aliás, não me espantaria que a discussão teimasse em prosseguir até ao encerramento da próxima «janela de transferências», ou seja, até 31 de Janeiro de 2021.

Mas, o bombardeamento dos espectadores levado a cabo pelos canais de informação, em torno do futebol, não se fica por aí e, passada a hora do jantar, ei-los de volta à arena do combate. Servidos por uma nova roda de comentadores, a TVI 24, a CMTV e obviamente a SportTV abrem o debate sobre os episódios mais polémicos dos últimos jogos do campeonato, confrontando opiniões sobre o critério dos árbitros e do VAR relativamente aos lances de interpretação duvidosa, um fora de jogo, um golo anulado, um penálti por marcar e exibindo, em pano de fundo, as imagens ao retardador desses lances, repetidas e comentadas ad nauseam, horas a fio.

Ilustrações à parte, para os ditos canais de televisão o que importa é entreter e prender a atenção dos auditórios-alvo. E, a este respeito, cumpre esclarecer que esses canais de informação fazem questão de espelhar fielmente as preferências clubísticas dos espectadores, reservando todo o tempo dos ditos programas à abordagem das questões que apenas interessam aos clubes com o maior número de adeptos, no pressuposto que, agindo desta forma, aumentam o ranking das respetivas audiências.

Sempre que isso acontece, dou por mim a pensar a que ponto os verdadeiros problemas das pessoas, do país e do mundo são, com tanta frequência, relegados pelos canais de informação para um lugar perfeitamente marginal e secundário face à urgência e à importância que os «pontapés na bola» supostamente assumem na vida dos cidadãos deste país.

E pergunto-me. Será esta a melhor forma que esses canais encontram para cumprir a sua missão de proporcionar aos espectadores uma informação digna desse nome? Será que vão continuar a promover, despudoradamente, a infantilização das audiências e a aceitar sem remorso que o futebol continue a funcionar, de forma reiterada, como uma espécie de droga que contribui para adormecer as pessoas?

Para além desta situação negativa e, até certo ponto caricata e anedótica a que as televisões nos têm habituado, existe no mundo do futebol um lado mais negro para o qual importa chamar igualmente a atenção.

Refiro-me à promiscuidade com o mundo dos negócios e da arbitragem que, de tempos a tempos, tem envolvido a conduta de alguns dirigentes dos clubes de futebol.

Depois do célebre processo «Apito dourado», centrado sobre fenómenos de corrupção de alguns árbitros, os casos mais recentes de que há conhecimento têm a ver com inquéritos de natureza criminal instaurados pelo Ministério Público, na pendência dos quais foram recentemente efetuadas buscas nas sedes e nas instalações de vários clubes desportivos e de de sociedades não desportivas, bem como em escritórios de advogados e no Instituto Português do Desporto e Juventude.

Segundo o Ministério Público, nesses processos «estão a ser investigados factos suscetíveis de integrarem crimes de participação económica em negócio, de recebimento indevido de vantagem, de corrupção ativa e passiva no fenómeno desportivo, de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais. Em causa estão negócios de diversa natureza, todos relacionados com o futebol e relativos, nomeadamente, a contratos de parceria de cooperação financeiro-desportiva, bem como a acordos de alteração de contratos de parceria. Investigam-se ainda a aquisição dos direitos desportivos e económicos dos jogadores por parte de clubes nacionais de futebol, empréstimos concedidos a um destes clubes e a uma sociedade desportiva por um cidadão de Singapura com interesses em sociedades sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas e a utilização das contas do mesmo clube e de outro, para a circulação de dinheiro. As investigações incidem igualmente sobre o envolvimento de outros tipos de sociedades, o o pagamento em dinheiro de prémios de jogo, a satisfação de dívidas pessoais de dirigentes, a utilização por estes de valores dos clubes e a omissão declarativa de operações fiscalmente relevantes».

Este assunto tem sido ciclicamente badalado nos media. Resta, entretanto, saber quantos anos levarão as ditas investigações a ser deslindadas e se, no final do dia, a montanha acabará, ou não, por parir um rato…

Existe, por outro lado, outra situação a que infelizmente não pode deixar de fazer-se referência. Trata-se de um processo judicial que indicia que a promiscuidade do mundo do futebol poderá ter atingido uma fronteira inimaginável, ao contagiar um órgão de soberania considerado insuspeito: a Justiça. Referimo-nos ao processo em que vários juízes do Tribunal da Relação de Lisboa se encontram alegadamente envolvidos em casos de corrupção passiva a rogo de um destacado dirigente de um clube lisboeta. Também neste caso há que esperar o resultado final deste processo criminal que, a provarem-se os factos nele indiciados, não deixará de afetar de forma extremamente grave a própria credibilidade dos Tribunais.

Mas a promiscuidade existente entre mundo do futebol e outros setores da sociedade atinge, por vezes, novas cambiantes. As notícias dos jornais e as imagens da televisão dão-nos conta, a cada passo, das relações promíscuas que alguns dos principais clubes de futebol e os seus dirigentes mantêm com elementos proeminentes da chamada classe política. Abundam os exemplos em que os eventos dos clubes grandes  são frequentemente abrilhantados com a presença obsequiosa e solidária de conhecidos governantes, deputados ou autarcas. E, espante-se, houve mesmo um caso recente, amplamente difundido nos media, em que a lista de um candidato à presidência de um clube lisboeta contou com o apoio declarado, público e notório, de alguns responsáveis políticos de primeira grandeza.

Aliás, em matéria de relações promíscuas entre o futebol e outros domínios da atividade nacional, vale a pena mencionar, a título de curiosidade, a frequência com que, nos canais televisivos de informação, aparecem alguns notáveis da classe política, à mistura com não menos conhecidas personalidades ligadas ao comentário político, a fazer de comentadores do próprio futebol, dando deste modo testemunho público da polivalência dos seus atributos e, sobretudo, do seu clubismo indefectível. Realmente, com excepção dos casos de fanatismo partidário, talvez seja difícil encontrar outro domínio da vida nacional que supere, em paixão, o clubismo do futebol.

Infelizmente, o fanatismo dos adeptos do futebol, em grande parte fortemente incentivado pelos próprios dirigentes dos clubes e, como acima se afirmou, pelo interesse comercial dos media, tem desencadeado, nos últimos anos, vários casos lamentáveis de violência grave, dentro e fora dos espaços desportivos. Os casos dos homicídios e das agressões físicas praticados dentro dos estádios e nas suas imediações, bem como do assalto à Academia de futebol de Alcochete (cujas imagens correram o mundo inteiro…) são disso uma prova indesmentível.

Por todo este conjunto de razões, os responsáveis políticos, os media, os dirigentes e adeptos dos clubes e os cidadãos em geral não podem fechar os olhos aos efeitos nefastos provocados pelo fanatismo clubístico que grassa no mundo do futebol. E devem assumir as responsabilidades que lhes cabem, nos respetivos domínios de atividade, tudo fazendo para que o futebol se não transforme num campo de batalha, de discórdia e de violência, mas que fique apenas confinado ao papel desportivo e de entretenimento que lhe cabe exercer num Estado que se quer civilizado e democrático.

Não está em causa o desporto-rei. A paixão que ele desperta contribui mesmo, em muitos casos, para criar um suplemento de alma que ajuda a sublimar frustrações, a suprir lacunas e a ultrapassar carências de vária ordem no dia-a-dia das pessoas que amam o futebol.

Por outro lado, a história dos últimos 20 anos da seleção nacional, em particular o feito heróico das recentes vitórias no Campeonato da Europa e da Liga das Nações, elevaram bem alto a nossa auto estima e o nosso ego e contribuíram, de forma inigualável, para unir os cidadãos deste país.

Ainda bem que assim foi. E que assim continue a ser no futuro.

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Aurélio Crespo
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