Hoje fui levar o meu netinho à escola. Encontro a D. Aurora, a professora, que tem resistido heroicamente à Covid-19. Ela ainda não deu parte de fraca, não desarma, não desiste de prestar a maior atenção aos seus alunos…
Não os abandona. Entrego-lhe o Carlitos, como quem entrega o tesouro mais precioso do mundo. Faz-lhe uma carícia afagando, distraidamente, os cabelos e estraga-lhe a bonita marrafa, com um carreirinho de lado, feita com todo o cuidado pela mãe, que o quer ver à moda antiga. E, observando-o melhor de longe, o despenteado até lhe fica bem. Vou dizer à minha filha que não passe tanto tempo a penteá-lo. Pois é, mas nem tudo se pode dizer às nossas filhas. Não podemos pôr em causa a imagem que têm dos seus próprios filhos. Eu acho que sem marrafa é mais bonito; é mais moderno, mais descomplexado. Tenho de lhe mostrar a foto do Boris Johnson, – o despenteado, de quem não gosto nada, mas ela adora-o –, para introduzir melhor a questão. Assim, será como os outros que andam sempre com o cabelo desgrenhado, à moderna!
Diz-me a professora:
– Vai tomar a vacina?
Encolho os ombros porque ainda não tenho muitas informações sobre isso.
– Ah eu tenho pressa de me vacinar. Na nossa escola há quatro professores contaminados, quatro classes fechadas, uma quantidade de crianças doentes. Veja a quantidade de crianças que me entregaram! Neste momento são 40 alunos! Mas eu sou uma apaixonada por crianças.
– As crianças devem adorá-la. Como é que consegue ter mão em tantas crianças?
E olho para elas como quem olharia para um presépio. A maior parte estão sentadas, entretidas com leituras. O meu Carlitos vai à estante à procura de uma banda desenhada e acaba por sentar-se junto da sua amiga Mariza, que é bem escurinha de pele. O Carlitos é como o avô, não faz diferença de raças. Estou orgulhoso por ter assim um neto.
Está frio e alguns colam-se contra o radiador para sentir o calor. Há duas meninas que têm uma máscara de tecido. Estão sentadas a ler pelo mesmo livro, também de banda desenhada. Sorriem. É enternecedor vê-los crescer! Outros estão deitados a desenhar, servindo-se de uma grande caixa de lápis de cores que pertence à escola. A professora Aurora não impõe a máscara aos alunos.
– E se os pais impuseram a máscara?
– Não lhes vou dizer que não, mas tento fazer-lhes ver que não é nada fácil para uma criança aguentar tantas horas com máscara. Além disso, gosto de ver a cara das crianças. Se não, não me sinto professora; penso que estou a falar para um monte de pedras ou para estátuas. Lá diz o ditado: quem vê caras, vê corações. Eu não posso ensinar de outra maneira. E, após as minhas explicações, todos me dão razão.
Estava a dar um aceno de adeus ao Carlitos e foi a menina Mariza que viu a minha mão a abanar e disse-lhe: olha o teu avô.
– Senhor Felisberto, diz-me a D. Aurora, antes de ir embora, dê-me uma ajudinha para pôr as crianças em carreiro para subirem para o autocarro da piscina, que já chegou.
– Com todo o prazer! Com 40 alunos, não é fácil.
– É que assim vai mais depressa e ficarão mais tempo na piscina de que tanto gostam.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
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