No documentário «Labirinto da Saudade», é perguntado ao nosso conterrâneo de distrito, natural do concelho vizinho, Eduardo Lourenço, recentemente falecido, se faz sentido falar de uma identidade nacional, ao que aquele responde: «Por mais maníacos ou megalómanos que sejamos, nós não somos o centro do universo, já foi uma coisa extraordinária que nós tivéssemos sido um ponto visível na história do mundo!»

PARTE VI
PATRIMÓNIO CULTURAL
Património Histórico Arqueológico
Adaptemos também nós esta assumpção ajustada à nossa realidade e dimensão territorial. Ainda que não pretendamos ou possamos ser o centro de Portugal, bem podemos ser uma referência concreta na nossa história quanto à origem da língua lusitana, comprovada pela epigrafia incrustada naquele geomonumento do Cabeço das Fráguas.
Voltemos então, novamente esta semana, a subir ao Cabeço das Fráguas, dada a importância e relevância histórica que aquele sítio tem para as nossas origens e para com o nosso território e face à relação e importância daquele mesmo espaço com os lusitanos e a Lusitânia, enquanto província sob a qual se terá edificado Portugal.
Apurámos na nossa pesquisa, que não existe consenso quanto ao nome atribuído aquele Cabeço. Linguistas remetem a derivação da palavra «Fráguas» para «Forjas romanas» (fornalhas). Arqueólogos, geógrafos e historiadores remetem para «Fratria», simbolismo associado ao culto do feminino que dominam as gravações em pedras nos cabeços. E nós, meros curiosos e leigos no assunto remetemos «Fráguas» para «Fragas», com o simples e apenas significado de penhasco, penedo ou penha muito grande e elevada.
Aquele sítio constitui-se como um excelente miradouro, a 1050 metros de altitude, de onde é possível contemplar toda a região, serras, planaltos e todas as demais elevações que existem e que se estendem para aquém e além do nosso território. Se esta valência não fosse só por si suficiente, importa reforçar que aquele lugar mantém desde sempre uma mística muito própria e atraente.
Antropólogos e historiadores, consideram os lusitanos como um povo sem história por não terem deixado registos nativos antes da conquista romana. São muito raros ou inexistentes achados ou sítios arqueológicos passíveis de serem atribuídos ou estarem relacionados de forma objectiva com a ocupação do território naquela época pelos lusitanos. Com uma agravante, a história que existe, para além das epígrafes lusitanas, resulta apenas de fontes literárias e foi contada por romanos, povo invasor, ou pelos seus relatores.
História aquela, que pode intencionalmente ter sido suprimida de factos e acontecimentos face à vasta erradicação de vestígios do povo lusitano pelos romanos. Pois aqueles quiseram erradicar também os povos Lusitanos, recorrendo a falsos acordos de paz, em que lhes atribuíam locais dispersos e distantes uns dos outros para se instalarem e de seguida, traindo o acordo e enfraquecidos os lusitanos pela sua segregação acabaram por serem muitos deles dizimados.
História esta que confirma a importância da força da união já nas nossas origens e usada pelos nossos antepassados. Juntos fomos e somos invencíveis, separados corremos o risco de sermos extintos ou aculturados por uma cultura que não a nossa.
E fazendo honras ao blogue onde escrevemos e à nossa tradição Capeia Arraiana, lembramos que não é possível fazer uma boa lide do touro com o forcão, se cada um dos seus pegadores puxar para seu lado, ou não estiverem mais ou menos todos síncronos na coordenação de movimentos e na gestão e uso da força.
Verificada a grande falta de sítios arqueológicos sobre o período dos lusitanos, cremos que, com um bom aproveitamento e uma boa comunicação, o Sabugal em conjunto com a Guarda podem reescrever e aproveitar o favorecimento factual da história ao reconhecer, considerar e divulgar aquele sítio do Cabeço das Fráguas como sendo um dos marcos derradeiros e genuínos, mais significativos e representativos da ocupação do território pelos lusitanos. Isto na medida em que a nossa região é detentora de uma das muito raras evidências físicas, como é o caso daquele geomonumento e sítio com a original e quase exclusiva epígrafe da língua lusitana. Espaço este considerado por muitos como um dos locais ou santuários ao ar livre mais originais e de maior interligação aos povos lusitanos.
Poderá aquele ser um local para os alunos e estudantes do concelho e distrito terem uma aula de história sobre o mítico herói e nobre povo lusitano? Contribuindo assim para a auto-estima e formação da identidade de um povo pela (re)valorização dos seus antepassados ao focar a importância deste território na construção da nossa história e humanidade. Apenas uma entre muitas outras possibilidades.

Ideia peregrina pensarão alguns. Ideia abusiva intentarão outros. São apenas barrocos, dirão outros!
Atente-se na ousadia do município de Viseu, o qual se apoderou da imagem de Viriato, sem que hajam factos ou fundamentos que historicamente comprovem a permanência ou passagem do guerreiro por aquele local.
O município de Viseu, edificou escultura pública em homenagem ao guerreiro, adoptou a designação de «Terras de Viriato», interpretou erradamente que a fortaleza octogonal existente em Viseu, seria acampamento das Guerras Lusitanas e designou aquele monumento como «Cava de Viriato» quando na realidade se veio a comprovar que aquela fortaleza foi edificada pelos muçulmanos/árabes, séculos depois da ocupação romana… (Aqui.)
O nosso conterrâneo, natural do Soito, João Luís Inês Vaz, residente naquela cidade e na qual viveu grande parte da sua vida e que foi sempre um estudioso de Viriato e da projecção da sua figura na cultura e mentalidade portuguesas, ele mesmo, contestou a possibilidade de Viseu ter sido berço e abrigo do herói lusitano. Mas uma coisa é certa, Viriato foi e é disputado por várias localidades portuguesas e espanholas as quais pretendem afirmar-se como berço do mítico guerreiro lusitano.
Os lusitanos habitaram efectivamente a região de Viseu, como comprova uma outra epígrafe de Lamas de Moledo – Castro Daire, todavia, aquela, ao contrário da epigrafe do Cabeço das Fráguas está mais associada já ao período de aculturação romana do que ao período dos lusitanos, assim como o conteúdo da inscrição e até o local, não granjeiam o relevo e significado que é atribuído ao geomonumento do Cabeço das Fráguas.
Somos leigos e não possuímos formação em história ou arqueologia, mas somos curiosos e persistentes em querer conhecer mais e melhor a dimensão e diversidade do concelho, para continuarmos a fundamentar o teorema de um pentaterritorio.
Não faltarão boas almas que baptizem as considerações desta crónica, temática e teorema como fatuidades, mas não será epíteto que nos humilhe, pois como refere Jorge de Alarcão, «para que alguém diga a verdade é por vezes necessário que outro, antes, tenha errado. Talvez algumas coisas possam ser de novo olhadas para se verem nelas outros sentidos…»
Ficamos a saber nesta pesquisa que um dos primeiros textos de exaltação dos lusitanos, foi composto por Braz Garcia de Mascarenhas, que ao serviço de D. João IV, foi governador da praça-forte de Alfaiates, o qual reclama a nacionalidade portuguesa e a naturalidade de Viriato no Monte Hermínio.
Uma outra curiosidade que nos apercebemos é que não se sabe em concreto onde se situa propriamente o Monte Hermínio ao qual se atribui também a naturalidade de Viriato e no qual terão habitado os lusitanos e onde se travaram tantas lutas contra os romanos.
Investigadores referem que pode bem ter sido eventual e inadvertidamente atribuído à Serra da Estrela, só porque sim, ou pelo facto de ser aquela a maior elevação da província Lusitânia. Mas se outras provas não existem em concreto, então bem poderá ser o Monte Hermínio o próprio Cabeço das Fráguas??? Pelo menos ali existe factualmente uma prova passível de associar aos lusitanos, bem como os diversos vestígios romanos ou pré-romanos que foram encontrados no sopé daquele cabeço, na Quinta de São Domingos. Há efectivamente alguns autores que consideraram que o Monte Hermínio (designação que deve ser usada apenas no singular, como alertam linguistas), era constituído por todas as serras e elevações que compõem o relevo montanhoso da Beira Interior, que vai da serra da Estrela à Gardunha, ao Cabeço das Fráguas, Serras das Mesas, Malcata, Homem de Pedra, Marofa e mais além até ao Douro.
Alguns autores reputam ainda aquele espaço como local sagrado (locus sacer) passível de ser considerado como um centro ou pilar do mundo (axis mundi) pelo facto de ter sido escolhido como ponto de encontro entre comunidades, e, entre humanos e os seres divinos. Mais info… (Aqui.)
Haja quem arrogue e aproveite aquela evidência e consideração geofísica como tal. Pois narra também a lenda que corre pela documentação consultada, que o Cabeço das Fráguas é referenciado como sendo denominado como o Monte de Vénus, um santuário ao ar livre, onde podem muito bem ter ocorrido as cerimónias fúnebres do nosso místico guerreiro lusitano, o famoso Viriato.
Lenda ou realidade, haja quem a aproveite e dê forma ao forte imaginário do lugar, para se conseguir dar relevância de culto histórico e turístico aquele espaço. Pois além de toda a mística, lenda, arqueologia, história, linguística, raridade e originalidade que aquele espaço apresenta, a sua localização e panorâmica e área envolvente é de uma beleza única, extraordinária e surpreendente, comparativamente ao outro espaço e local onde existe uma outra epígrafe lusitana – Lamas de Moledo, que denota pela pesquisa efectuada e visionamento de imagens disponíveis na internet, que o espaço envolvente está deveras muito abandalhado e pouco cuidado. Todavia o geomonumento daquele local já foi, ainda que toscamente, protegido da erosão por um telheiro abarracado, que não dignifica o local nem a epígrafe, mas sempre o protege da erosão. Enquanto o geomonumento do Cabeço das Fráguas continua exposto e abandonado à sorte e erosão dos climas e dos tempos.
Esperemos que as divindades lusitanas ali invocadas na famosa e rara epígrafe, intercedam por nós e àquelas invocamos nós, dois mil anos depois da sua incrustação, nossos renovados votos e apelos, mas sem oferendas sacrificiais, para que haja uma maior valorização e dignificação para aquele histórico e significativo espaço.
Com certeza todos ficaríamos mais protegidos e abençoados. Assim haja por aí um caudilho ousado e atrevido capaz de seguir as pisadas de Viriato, para inverter a actual situação.
Atentemos então na fundamentação do teorema pentaterritorial desta semana e enumeremos, desta feita, os grupos de cinco elementos, existentes e referentes ao período que vai desde a ocupação daquele espaço do nosso concelho pelos lusitanos (VII a VI a.C) , até à época da chegada e ocupação do território pelos romanos (Sec.II a III d.C.)
Cinco povos ocuparam o nosso território na época pré-romana
Ocelenses Lancienses | Lancienses Transcudani | Lancienses Oppidani | Vetões | Lusitani
Investigadores não conseguem afirmar onde, como, quantos e quando habitaram este nosso território. Se somos descendentes dos vetões ou somos lancienses, não existem certezas entre os diversos autores ou estudos. É nossa interpretação que a descendência que reúne maior consenso é efectivamente a de que garantidamente somos dos primórdios e que pertencíamos à Lusitânia e por sua vez nos arrogamos no direito de nos considerarmos os verdadeiros, os genuínos naturais descendentes dos lusitanos, uns «puro sangue lusitano». dado que existe um consenso entre inúmeros estudiosos de que os lusitanos viveram e habitaram o território entre o Tejo e o Douro, sobre o qual mais tarde os romanos constituíram ou denominaram como Lusitânia.
Este monte, este cabeço, este penedo, esta fraga, este penhasco, esta brenha, este geomonumento e sua epígrafe, fazem deste local místico um local sagrado cheio de extras: extra(Vagante) porque vagueia nos tempos, Extra(Ordinário) porque é raro e vai para além do natural e habitual, Extra(terrestre) porque se destina a comunicar com deuses e divindades de outro mundo e outras religiões. Merece múltiplos cuidados extra na sua preservação e divulgação, porque pode bem ser, como referem alguns autores, o «axis mundi» senão o dos outros pelo menos o do nosso território em respeito e consideração pelos nossos antepassados mais directos, da cronologia dos tempos.
Cinco orações numa epígrafe de língua lusitana de origem Celta ou Pré-Celta
Laepo é uma das divindades registada no barroco das fráguas, assim como era uma divindade incrustada em três aras votivas encontradas na quinta de São Domingos (Pousafoles) sobre a qual salientamos uma particularidade, pois uma destas aras votivas, era referente a Basso, filho de Viriato, que fazia seus votos a esta divindade (ver aqui). Mais um facto arqueológico que pesa a favor da relação de Viriato com este território. Será?
Cinco oferendas sacrificiais de Cinco animais a Cinco Divindades… (+info Aqui.)
1.ª oração: oilam Trebopala – Uma ovelha para Trebopala.
2.ª oração: porcom Laebo – Um porco para Laebo.
3.ª oração: comaiam Iccona Loimina – Uma égua(?)ou vitela(?) para Iccona Loimina.
4.ª oração: oilam usseam Trebarune – Uma ovelha de 1 ano (cordeiro) para Trebarune.
5.ª oração: taurom ifadem Reve Tr(..) – Um Touro de Cobrição para Reve Tre.

Cinco vestígios da ocupação Romana no concelho
(1) Inscrições funerárias e votivas
(2) Miliários e algumas pontes associadas aquela época (A. da Ponte; V. Maior?)
(3) Fustes de coluna e cantaria almofadada
(4) Cerâmica de construção
(5) Moedas
Cinco achados de moedas do período de ocupação Romana
(imagens do Espólio Arqueológico do Museu Municipal)

Cinco achados arqueológicos de Aras
(Imagens do Espólio Arqueológico do Museu Municipal)

Bem-hajam pela vossa curiosidade e leitura!
Prá semana temos mais! Até lá! Cuidem-se e cuidemos dos nossos!
Meu abraço dos cinco costados!
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(Continua.)
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«Território dos Cinco Elementos», crónica de António Martins
(Cronista no Capeia Arraiana desde Setembro de 2014.)
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P.S.- Faltou mencionar duas sugestões que nos parecem muito pertinentes e ajustadas e que complementam a presente crónica:
1) Pelo aqui exposto e argumentado, cremos ser mais que tempo e muito oportuno, caso ainda não tenha sido efectivado, avançar com a organização e formalização de um pedido de classificação deste geomonumento, ponderada sobre qual das classificações poderia trazer mais vantagens ao espaço e para a região:
a) Geomonumento classificado como Monumento Natural
b) Geomonumento como Sítio Classificado
c) Geomonumento classificado como Paisagem Protegida
d) Geomonumento classificado só ao nível da paisagem
2) Porque não houve tempo nem oportunidade, no período da redacção desta crónica, de ler algumas obras que nos parecem, à partida, muito sugestivas e que poderiam trazer alguma mais valia a esta reflexão, não queríamos deixar de as referir, caso haja leitores em querer saber mais sobre o tema da ocupação pré-romana e romana no nosso território. Pelo que fica a sugestão:
a) João Luís Inês VAZ, 2009 – “Lusitanos – No tempo de Viriato. Quotidiano e mito”. Lisboa: Ésquilo edições e multimédia lda.
b) Marcos OSÓRIO, 2006 – O Povoamento Romano do Alto Côa. Guarda: Câmara Municipal da Guarda