As vacas da aldeia já não chegavam para deitar o carreto. Os carros, esses ainda por lá enferrujavam os eixos, abandonados nos currais à chuva e ao relento. O ti Júlio, mesmo assim, quis fazer a festa do casamento do nosso «Manel» para toda a aldeia, como lhe haviam feito a ele. Afinal, nas aldeias vizinhas também havia familiares que tinham vacas e carros.
No domingo, anterior ao da festa, lá estava o Padre Baptista a fazer o pregão dos banhos para o casamento e a anunciar a deitada do carreto.
Todos ficaram duvidosos de que ainda fosse possível realizar tal evento! A maior parte do pessoal nem iria ficar mais do que uma semana. Mas o ti Júlio estava decidido. Não seria necessário construir a casa toda em pedra, mas as escaleiras do balcão, tinham de ser feitas à moda antiga. E assim foi. Já havia pedra estoirada e agora era atrelar as vacas e pôr os carros a rodar até à pedreira.
O ti Júlio comprara quatro presuntos pata negra, umas chouriças, queijos, pão de Navasfrias, onde a ti Isabel fora fazer umas bicas e comprara, também, galhetas e bolos de canela entre outros acepipes de que se foi lembrando.
No dia marcado, aqueles jovens que haviam abalado da aldeia, voltaram a sentir-se em casa. Parecia terem tomado o lugar dos seus pais, hoje já tão idosos!…A canalhita, já não corria de pé descalço e cara suja, mas nem por isso deixava de ter aquele entusiasmo que nós tínhamos tido em dias assim.
Lá vinham umas dezenas de carros em procissão, com os próprios donos ao lado, boina basca negra na cabeça, lenço vermelho ao pescoço, de fralda fora das calças, (já não são de pana, mas de ganga azul, a moda já não é o que era), aguilhão em punho, incitando os animais: «Ei Mourisca!… Vá lá Mimosa!…»
As vacas deviam ter pensado que voltavam os seus dias difíceis de acarreto, mas apenas traziam uns pedregulhitos para recordar… é que os novos tractores acarretaram as pedras necessárias.
A festa, essa sim, foi verdadeira e durou pela noite adentro. Houve baile ao som da concertina, houve vinho, jeropiga e laranjada da Cristalina! A criançada largou os comandos, os telemóveis, as novas tecnologias e correram, pularam, brincaram, aproveitando o lindo luar de Agosto!
Penso que foi deitado o último carreto, na aldeia!
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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