Tornou-se um lugar comum afirmar que os fenómenos da globalização, designadamente em domínios tão importantes como a actividade económica, financeira e tecnológica têm vindo, nas décadas mais recentes, a originar e a acelerar os movimentos de cooperação internacional e de integração regional, que hoje existem na maior parte dos continentes do planeta.

De facto, na era que atravessamos, a dispersão dos poderes no seio da comunidade internacional tornou cada vez menos possível o domínio de um Estado sobre os restantes. O unilateralismo e o protecionismo têm vindo a ceder o passo ao multilateralismo nas relações internacionais. E a cooperação e a regionalização das tomadas de decisão política constituem, nos dias de hoje, os grandes pilares da política internacional.
O exemplo mais recente desta realidade chega-nos da região Ásia-Pacífico.
No passado dia 15 de Novembro, no encerramento da cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), quinze países da Ásia-Pacífico assinaram aquele que é já considerado como o maior acordo de livre comércio do mundo. Chama-se Parceria Económica Abrangente Regional (em inglês, Regional Comprehensive Economic Partnership – RCEP). Esta Parceria Económica envolve os dez países membros da referida ASEAN (Indonésia, Tailândia, Singapura, Malásia, Filipinas, Vietname, Birmânia, Camboja, Laos e Brunei) e cinco de seus principais parceiros comerciais – China, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia.
O acordo RCEP constitui um passo importante para a criação de um grande espaço económico de livre comércio, de natureza até certo ponto semelhante aos que existem na União Europeia ou na América do Norte. Importa assinalar que é o primeiro acordo comercial que junta a China, o Japão e a Coreia do Sul. Quanto à Índia, (que, em caso de adesão ao acordo, seria a terceira maior economia entre os signatários), abandonou as negociações no ano passado. Em todo o caso, a porta da adesão continua aberta, segundo foi declarado pelos signatários.
Os Estados signatários representam quase um terço da população mundial (cerca de 2,2 mil milhões de pessoas) e do Produto Interno Bruto do planeta (cerca de 26,2 biliões de dólares), bem como um mercado integrado que aumentará significativamente o comércio e os investimentos regionais, reforçará as cadeias industriais e de abastecimento, auxiliará a recuperação económica e o crescimento de longo prazo da região Ásia-Pacífico.
A Parceria Económica em causa vai permitir a eliminação de, pelo menos, 92% das tarifas sobre os produtos comercializados entre os países signatários. Mas o pacto agora firmado prevê que as tarifas poderão ser completamente abolidas no decurso da próxima década.
O referido acordo, que contém vinte capítulos cobrindo uma ampla gama de categorias, incluindo comércio de bens, investimento e e-commerce (comércio efetuado através de equipamento eletrónico), abrange outros tópicos como a simplificação dos procedimentos alfandegários, o investimento transfronteiriço, a solução de conflitos e controvérsias, a propriedade intelectual, questões financeiras e telecomunicações.
Todavia, o acordo RCEP não vai tão longe como seria desejável. Não obriga, por exemplo, os países membros a darem passos no sentido de proteger os direitos laborais e os direitos sindicais, ou de atingir determinados padrões ambientais e de propriedade intelectual. Por outro lado, a agricultura está praticamente ausente do acordo. Outro aspeto crítico resulta do facto de que a Parceria integra países com caraterísticas muito diversas. Há países «grandes e pequenos», «ricos e pobres», pelo que a uniformização das regras definidas por este pacto é susceptível de vir a criar dificuldades de monta a alguns dos seus Estados-membros.
Os países signatários acreditam, ainda assim, que este acordo vai permitir impulsionar as respetivas economias, ultrapassado que seja o impacto da pandemia Covid-19, e que o mesmo irá fortalecer, tanto as cadeias de abastecimento, como os laços comerciais entre os diversos Estados da Parceria, criando as condições necessárias para o estabelecimento de um grande espaço económico de comércio livre na região da Ásia-Pacífico.
E, cabe perguntar, a Europa e o Mundo vão beneficiar alguma coisa com este acordo?
Um estudo do Instituto Peterson para a Economia Internacional estima que o acordo RCEP poderá representar um acréscimo de 186 mil milhões de dólares à economia mundial até 2030.
No que respeita à Europa, as vantagens a tirar serão, contudo, algo indiretas. Segundo o Financial Times, o Japão e a Coreia do Sul estão entre os países que mais vão ganhar com o acordo RCEP, mas tanto a Europa como os EUA poderão também vir a beneficiar da redução das tarifas desta região do mundo, ao terem acesso a produtos mais baratos.
Como quer que seja, o presente acordo envia um forte sinal contra o unilateralismo e o protecionismo, apoia fortemente o livre comércio e o sistema multilateral de comércio e irá contribuir seguramente para a formação de um efeito muito positivo na economia global.
De facto, a assinatura da Parceria RCEP não constitui apenas uma conquista histórica da cooperação internacional na região Ásia-Pacífico. É também a demonstração de que o multilateralismo e o livre comércio continuam a apontar na direção correta no que ao desenvolvimento da economia mundial e ao progresso humano diz respeito.
E, ao escolherem a solidariedade, a entreajuda e a cooperação para enfrentar os desafios, em vez do conflito, do confronto ou da guerra, os Estados signatários deste acordo testemunham igualmente perante o mundo que este é o melhor caminho para alcançar resultados mutuamente benéficos para os povos que representam.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020.)
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