Nesta minha crónica de hoje, apenas uma bonita recordação de uma peça escrita há muitos anos contendo uma justíssima homenagem à geração dos meus pais (veja bem porquê mais adiante), para logo de seguida darmos prioridade à imagem que no séc. XVIII o Cura Leal transmitiu ao Governo do Marquês…

Uma geração de grandes batalhas…
Vamos ver se nos entendemos quanto que este subtítulo quer significar:
– a minha geração foi à Guerra Colonial (mas não é dessa que quero falar agora);
– a geração dos meus avós foi assustada pela I Grande Guerra (também não é dessa que falo).
A geração que eu digo em título que foi de grandes batalhas é a dos meus pais:
1 – Deram-nos oportunidades de estudarmos (e quanto isso lhes custou);
2 – Procuraram numa zona morta economicamente meios inesperados de rendimento;
3 – Até na busca de volfrâmio se ocuparam…
E muito mais: muito mesmo… Por isso digo: esta geração merece tudo! Sofreu muito, batalhou imenso.
Mas apesar de tudo isso, foi uma geração sempre bem disposta e com expressões que sempre me encantaram.
Dou uns lamirés disso tudo numa crónica de há uns anos. Leia um pouco e sei que não desligará antes do final do que escrevi… (Aqui.)
A minha aldeia nos idos de 1758
Continuamos hoje a conhecer e estudar as respostas do Cura Leal às perguntas do Governo do Marquês de Pombal, em 1758. Vamos para as primeiras perguntas do grupo III do inquérito referido, sobre «O Rio» (no nosso caso, a Ribeira, de certeza…). Vamos ler:
(Pergunta do Governo, agora a falar «do Rio»)
1 – Como se chama, assim o rio, como o sitio onde nasce?
(Resposta do Cura Leal:)
– Ao pé deste Lugar do Castelleiro, Corre huma Ribeira, sem mais outro nome que o nome de Ribeira; esta principia a nascer ao pé da Serra chamada do Mosteiro, ao pé de huma Quinta chamada Alagoas, freguezia de Sancto Antonio da Orgueira, termo da Villa de SorteIha, e nella também se mete outro Ribeiro pequeno, que chamam o Ribeiro do Poio, o qual principia a nascer em sitio chamado Corredoura, no lemite da dita Villa de Sortelha, e este se vem meter nella, no sitio das Alvercas, lemite deste Lugal.
(Meu comentário)
>> O nosso Cura da época evita falar da Ribeira da Nave. Concordo a 100%. Há quem queira apelidar esta nossa Ribeira dessa forma. Não sei se isso já acontecia no séc. XVIII, mas hoje assim é.
2 – Se nasce logo caudaloso, e se corre todo o ano?
– Esta Ribeira corre quazi todo o anno, ou ao menos athé o fim de Julho, e ao depois sempre nella se conservam aIguns possos de ágoa; este Ribeiro chamado Poio, no principio corre algum tanto arrebatado, porem em se metendo na tal Ribeira, entra a correr com ella quieto.
>> Boa descrição. Sempre ouvi falar do Ribeiro do Poio como sendo muito agitado – mas com muitos meses sem água suficiente para as regas necessárias.
3 – Que outros rios entram nele, e em que sitio?
– Nesta somente se metem tres pequenos Ribeiros, chamados hum Ribeiro de Val de Castelhoins, e outro de CantalegaIho, e outro o do Espirito Sancto; este se mete nella no sitio chamado Guaracois, e aquelles no sitio chamado o Tinte.
>> Ou como diz o nosso Povo: Ribeiro de Balcastelões, Cantargalo (julgo que esta é mesmo a forma correcta) e o ouro, sim, o do Espírito Santo.
Note que o Cura não respondeu à pergunta 4, que transcrevo no final…
Ficou sem resposta da parte do Cura Leal a seguinte pergunta do Governo:
4 – Se é navegável, e de que embarcações é capaz?
Comento que o Cura considerou desnecessárias mais palavras pois já tinha referido que não havia na nossa ribeira condições de navegabilidade.
5 – Se é de curso arrebatado, ou quieto, em toda a sua distância, ou em alguma parte dela?
– A Ribeira em si corre quieta, mas os tais Ribeiros que nella se metem, correm algum tanto arrebatados.
>> O prazer aliás que nos dava ir até à Ribeira teria em grande parte muito a ver com esta quietude das águas e também com a forte presença dos amieiros que também impressionavam o Padre Leal (ver mais abaixo)…
6 – Se é de curso arrebatado, ou quieto, em toda a sua distância, ou em alguma parte dela?
– Esta taI Ribeira, aonde principia corre das partes do Nascente, e couza de hum quarto de legoa, no sitio chamado Alvercas, lemite do mesmo Lugar, dá huma meia volta, e corre de Norte a Sul.
>> As famosas Alvercas – terras de boa pastagem para os animais e de muita hortaliça para todos os que tinham a sorte de ali possuir ou cultivar terras.
10 – Se se cultivam as suas margens, e se tem muito arvoredo de fruto ou silvestre?
– As suas margens se costumam cultivar para centeio; as arvores que há ao pé della, sam algumas oliveiras e alguns ameeiros, porem estas nam dam frutos; tambem ao pé do Lugar, em alguns chans que estam junto della, se costuma semear linho de secadal.
>> Sublinho as referências do Cura, juntando as notas relativas à minha infância: a) não havia só centeio semeado nos «tchões» da Ribeira: havia também milho, couves, muita batata e nabo (note que não há certeza de que a batata já tivesse nesse tempo chegado aqui à minha aldeia e às nossas terras…; b) haveria nesse tempo do Cura Leal muito maior quantidade de linho do que quando eu ali cresci; c) o Tinte era uma tinturaria de tecidos – e o Cura pouco fala disso nas respostas que dá… Sublinho com interesse o registo dos «ameeiros», sobre os quais quero deixar aqui uma confissão: bem sei que a forma correcta é amieiro, mas instintivamente eu sempre quero escrever ameeiro, como o Cura Leal! Por exemplo: nas palavras cruzadas que muito continuo a fazer… sempre que a palavra aparece, lá vai por instinto: ameal em vez de amial. A força destas coisas é muito grande!
Nota final
Sem resposta ficaram também estas outras questões, algumas das quais mereceriam uma resposta, em meu entender, pois a ribeira sempre deve ter dado muito peixe aos nossos conterrâneos – mesmo que isso pouco interessasse ao Cura. São estas as questões sem resposta:
7 – Se cria peixes, e de que espécie são os que traz em maior abundância?
8 – Se há nele pescarias e em que tempo do ano?
9 – Se as pescarias são livres, ou de algum senhor particular, em todo o rio ou em alguma parte dele?
(Continua e finaliza na próxima semana.)
Obrigado. Boa semana para todos nós.
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«Postal TV», por José Carlos Mendes
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