Provar um bom sumo de Baco não se improvisa. Nesta época de São Martinho em que se vai à adega a provar o vinho, os enólogos experientes manejam copos e saca-rolhas que não é dado a qualquer um dos mortais. A sua opinião faz tremer as adegas mais reputadas.

Não influenciem os enólogos, não os comprem porque a opinião sobre um vinho tem o seu ritual. Deêm-lhe um copo e apresentem-lhe um vinho e ler-vos-ão a sentença que pode engrandecer ou deitar por terra a opinião sobre a mais reputada quinta ou a suposta melhor colheita. Um copo sim, mas não qualquer copo, já que o copo é como a sala de concerto do vinho. Tal como o palco faz a simbiose entre o artista e o público, o copo faz a ligação entre o produtor de vinho e o provador. Esta imagem sublinha a importância do copo para verdadeiramente poder apreciar se se trata ou não de um precioso néctar.
Na verdade, não é qualquer copo que se adapta a um bom vinho. Foi por isso que se criaram vários modelos de copos para apreciar as diversas espécies de vinhos e os artistas empregaram o seu talento para conceber designs que alargam ou reduzem os aromas. Por exemplo, um copo com uma chaminé estreita permite concentrar os aromas que vagueiam entre o nariz e a boca. Um copo mais largo deixa expandir os eflúvios do sumo de Baco, pois a oxigenação torna-se mais importante.
O vinho também não se expande da mesma maneira na boca. Assim, um copo de vinho mais adocicado fixar-se-à nas partes laterais da língua onde as papilas gustativas detectam melhor a acidez.
Com todas estas considerações perguntarão alguns: deve-se comprar um copo para cada espécie de vinho ou estaremos perante uma estratégia de marketing? Um vinho da Bairrada requererá um copo diferente do vinho do Dão ou do Alentejo ou do vinho Verde, dos brancos, dos tintos, para não falar dos vinhos do Porto, dos moscatéis, dos abafados? Já se sabe como é a natureza humana. Os psicólogos do marketing trabalham o subconsciente do consumidor, desejosos de o influenciar, pretendendo diferenciá-lo do comum dos mortais que empregam o mesmo copo para toda e qualquer espécie de vinho, não fazendo mesmo a distinção entre copos de vinho e copos de água, bebendo sempre tudo pelo mesmo cano.
Vão convencê-lo mesmo que a escolha do copo é essencial pela sua sedução e elegância as quais influenciarão a percepção do conteúdo. Já não é a qualidade do vinho que é importante, mas a beleza do copo, assim como a arte e o estilo de quem o manipula. Um modelo ligeiro e esbelto reforçará a impressão da qualidade do vinho.
A quantidade de vinho colocada no copo tem também a sua importância. A maior parte dos copos devem ser preenchidos até ao limite onde a cheminé começa a estreitar-se. Além disso, a mão deve pegar no copo pelo pé e não pelo cálice, sempre de uma forma elegante. E mexer o copo de vinho em círculos concêntricos não se trata de nenhum acto de snobismo. É com este gesto que o provador ou o bebedor com requinte consegue libertar os aromas para obter ainda mais prazer. E não é este o principal objectivo ao beber um bom copo de vinho?
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
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