A aldeia sinalizava o centro do meu universo e confinava-se sob o arqueamento de uma breve arcada celeste. A cor da cúpula, em constante mutação, assumia tonalidades entre o azul claro do Verão e o negro azulado do Inverno.
A sul, este pequeno mundo, era limitado pela insistência do pináculo jarmelista a aguilhoar os céus . A norte uma linha, em meia lua, desenhava o termo contrário, menos alto e menos estático, ondulado nos verdes dos pinhais.
Nos chãos, junto ao ribeiro que dividia ao meio esta amplitude , entremeavam-se ramagens de freixos e choupos. Os castanheiros e os carvalhos, espaçados, iam vestindo a parte sobrante deixando clareiras para cultivos e árvores de fruto.
As casas da aldeia eram enormes. As ruas eram como avenidas densamente povoadas e todos os adultos eram altos e velhos. O ribeiro era do tamanho de um rio. O largo era uma praça e o cruzeiro um suprassumo monumento . A igreja era uma catedral que se enchia de gente ao domingo e a minha bicicleta era mais veloz que o carro do padre. A escola era um amplo edifício pejado de garotos, quase todos maiores que eu e a professora, com vinte anos, já não ia para nova.
Fui crescendo. A passagem célere do tempo rebentou fronteiras. Saí e voltei várias vezes mas, a cada regresso, tudo minguava. Talvez por isso eu, ainda hoje, desconfie do tamanho real das coisas.
Agora, as casas parecem-me apertadas. As pessoas ficaram mais baixas e menos velhas. A minha professora já é quase da minha idade. A escola não tem garotos. A largura do rio reduziu-se à de um regato. A igreja, pouco maior que uma capela, está quase sempre vazia e já não há bicicletas a competir com o carro de um novo padre, bastante mais jovem que eu.
Começo, de facto, a aterrorizar-me. Este genuíno mundo onde nasci e que habitei durante a infância minguou tanto que parece querer sumir-se.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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Amigo Capelo :
O Mundo que nós conhecemos quando éramos crianças e jovens, já é só ruínas, mas ruínas também a nível moral, de valores e de humanismo. Agora é a luta de todos contra todos e o salve-se quem puder, é uma espécie de morte interior.
Um abraço
Diz bem. Um tempo “subjetivo “! É diferente para cada um de nós mas, digo eu, influencia a personalidade de todos.
Grato pela apreciação.
O texto é muito bonito. É verdade, quantas dimensões e quantos tempos temos dentro de nós! E como é importante este tempo subjetivo!