No espaço de seis meses o mundo mudou, corrigiu comportamentos e anda em busca de um novo equilíbrio!

(Parte 2 de 4.)
Quanto valem as nossas vidas e a daqueles que amamos!? Experimentemos em mero exercício mental, dar valor monetário a qualquer uma delas! Quanto vale uma vida!
Qual o valor da vida dos nossos filhos, dos nossos familiares, dos nossos amigos e conhecidos!
Valem o valor do medo! E têm a dimensão da infinita grandeza e do tamanho da invisibilidade do CoronaVírus!
Profissões às quais pagávamos milhões, agora valem tostões!
Profissões às quais pagamos tostões, agora valem milhões!
Que valor dávamos e pagávamos às vidas profissionais de uns e às de outros? Havia uma distribuição equilibrada dos valores?
Às estrelas de música, do futebol, dos grandes espectáculos, que enchiam salas, salões e estádios, rendiam milhões, pagos por todos nós!
E ninguém se incomodava com isso! Era normal e todos contribuíamos para a receita astronómica de jogadores, clubes, marcas, conceitos, artistas e artes milionárias, de forma desmesurada e continuávamos alheios à miséria que grassava noutras áreas da vida deste planeta e sociedades.
E as profissões dos 5 «S»… como eram interpretadas pela sociedade em geral?
Prestadores de serviços de Saúde, Segurança, Socorro, Social e Saneamento, que vinham a exigir melhores condições, maior dignidade e consideração para o seu trabalho, nunca foram ouvidos e correspondidos nas suas necessidades e alertas do estado geral em que se encontravam para o exercício das suas profissões.
Muitos de nós ofenderam-se e interpretaram que estavam a ser demasiado revoltosos nas suas reividicações, apesar de roçarem em gritos de desespero as suas manifestações! Muitos de nós achávamos que estavam a ser muito exigentes e intransigentes e condenámos a sua luta!
Acontece que todos os que viviam do espectáculo e ganhavam milhões, foram os primeiros a suspender de imediato a sua actividade. E conjuntamente com os detentores de enormes fortunas, recolheram à sua segurança, aos belos e isolados castelos abrigo, como se de Príncipes Prósperos se tratassem! E tal como no conto de Allan Poe, pensaram que assim estariam a salvo! Mas de pouco lhes servirão as fortunas gastas na sua protecção, pois este vírus não tem barreiras, muros, portas ou portões que o impeçam de entrar.
Os profissionais que até já criticávamos de forma gratuita, foram os que se tornaram imprescindíveis e que apelidamos de heróis e que desde a primeira hora não puderam suspender a sua actividade, mas que depois e no decorrer pandémico passaram de bestiais a bestas, «cobardes», parafraseando o mais alto representante do estado!
Tinham direitos, mas foram imediatamente convertidos só em deveres!
Este foi um primeiro e bom alerta de reparação do mundo e das sociedades, levado a cabo pelo vírus, para que se reavaliem e reequilibrem os valores das vidas e profissões!
Polícias, enfermeiros, bombeiros, empregados de lares, pessoas do saneamento básico, sim aqueles que apelidamos de «homens do lixo», reivindicaram melhores condições e raramente são ouvidos e compreendidos. Mas actualmente, são eles que vão ficar e a estar na intervenção imediata e sem paragens, lay off’s ou possibilidade de evitar o distanciamento!
Muitos serviços de socorro ou grande parte deles, como é o caso dos Bombeiros Voluntários, dependem do voluntarismo e não existem carreiras reguladas!
Os policias que assistem a mais mortes violentas nos primeiros cinco anos da sua carreira, que mais nenhuma profissão assiste na sua carreira toda!
Todo o cidadão pode errar e cometer falhas por negligência ou descuido, ou porque é humano! O polícia cada vez que falha, se excede ou erra tem imediatamente um processo interno e é muitas vezes punido!
Um primeiro ministro pode exceder-se e virar-se de forma agressiva contra um idoso cidadão! O Papa pode dar uma palmada numa senhora!
Porque são humanos! E os polícias? São robots ? Prega bem Frei Tomás… faz o que ele diz mas não o que ele faz!
Os polícias! Nunca ninguém percebeu o que é trabalhar no perigo e ameaça constante! É a única profissão no mundo que é exercida sempre sob constante estado de ameaça e perigo latente ao longo de toda a sua carreira, isto, enquanto operacionais no terreno! Todas as demais são exercidas em estado de segurança!
Não! Desculpem! Agora os enfermeiros e médicos, face a esta pandemia e enquanto ela durar, também estão expostos a ameaça, perigo e violência constantes! E todo o mundo de repente percebeu que trabalhar sob medo, exposição à violência e ao risco constantes, torna aquelas profissões únicas e de risco!
E de repente fizemos deles Heróis! Eles não querem ser heróis, querem dignidade, respeito e consideração, para poderem continuar a tentar fazer o que melhor sabem e conseguem!
Como muito bem alertaram aqueles profissionais, exercer uma profissão no perigo e ameaça constantes é péssimo, então sem as condições humanas e materiais é terrifico e devia merecer e ser reconhecido por todos de forma diferente!
Os assistentes dos lares, fazem de enfermeiros, socorristas, de cuidadores, de psicólogos e ainda mudam fraldas, limpam as instalações e dão comida na boca aos acamados! Eles prestam um serviço de cuidados sociais de elevada exigência e esses nunca reclamaram o que quer que fosse!
Sempre foram mal pagos, nada valorizados e nunca receberam a devida e tão necessária formação para valorização e dignidade das suas carreiras e temos agora um problema que no nosso país se poderá revelar a todo o momento da maior gravidade!
Pois para aquilo que ganham e enorme serviço de risco que agora prestam nas actuais contingências, são os primeiros a decidir que, pelo que ganham e pelo serviço exigente que prestam, podiam bem recusar-se a cuidar de quem os próprios filhos muitas das vezes não quiseram ou não podem cuidar!
E persiste um problema com a nossa população de enorme risco, que são os residentes em lares! Pagássemos nós o valor digno a estes profissionais e estariam lá para assegurar as suas responsabilidades! Não o fizemos! E a formação profissional, a atenção e cuidados para tão árdua e imprescindível actividade! E agora é tarde ou muito difícil providenciar as suas necessidades face à negligência para com estes profissionais.
Todos estas profissões são importantes e imprescindíveis, ao contrário das do estrelato e do espectáculo! Isto, como será obvio de entender, na dimensão de importância e no valor monetário que lhe vínhamos atribuindo! Pois nenhum povo poderá viver sem cultura, arte e espetáculo.
E que dizer daqueles que nos recolhem o lixo e cuidam do nosso saneamento. Estes podem ser os últimos da cadeia das profissões, nesta alusão e reflexão, mas podem a todo o momento passar para primeiríssima importância, pois sem o serviço de saneamento no que respeita a recolha de lixo, o coronavírus seria uma gota no oceano dos vírus, que poderia resultar da paragem dos seus serviços, caso estes profissionais se negassem a prestar a sua actividade! O que faz deles os profissionais de extrema importância e necessidade. Caso para se dizer que os últimos da cadeia são mesmo os primeiros! Poderíamos viver sem profissionais de segurança, sem profissionais de saúde, mas sem saneamento e, na forma como o mundo está organizado, seria o salve-se quem puder!
Nesta pandemia, muitos de nós na sua generalidade ficamos privados e impedidos de estar nos momentos do nascimento e nos momentos da morte dos nossos! Ficámos privados de casamentos, festas, batizados, e demais festas de família! E assim conhecemos os custos emocionais e afectivos daquelas forçadas privações!
Polícias, profissionais de saúde, assistentes de lares, profissionais de socorro e de saneamento, ficam privados de todas as festas, domingos e feriados, muitas e várias vezes ao longo de toda a sua carreira!
Que custos tem esta privação para os próprios e para as famílias?
Se são diferentes no dever, podem e devem ser diferentes nos direitos!
Até prá semana! Cuidem-se e cuidemos dos nossos!
(Continua.)
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«Território dos Cinco Elementos», crónica de António Martins
(Cronista no Capeia Arraiana desde Setembro de 2014.)
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