Quase todas as famílias quadrazenhas tinham pelo menos um chão, isto é, um terreno de cultivo, ou uma simples horta. Alguns tinham vários chões e uns poucos tinham quintas de dimensão razoável, como era o caso do Sr. Nacleto, do Sr. Zé Jaquim, do Sr. Zezinho, do Sr. Antoninho, do Sr. Alexandre e dum ou outro Moira e Pinharanda. Cultivava-se pão, isto é, centeio ou, mais raramente, trigo e castanheiros nos terrenos de sequeiro. Batatas, couves, nabos, tarrábias (beterrabas), feijões, botelhas (abóboras) e milho cresciam nos terrenos regadios. Nos lameiros criava-se erva e feno para os gados.

Normalmente, as colheitas serviam os próprios, havendo alguns excedentes que eram vendidos em mercados ou a alguns que os vinham procurar e ensacar em Quadrazais, como o Jaquim Canelo do Casteleiro.
Era o caso das castanhas, dalgum milho, feijões, batatas, do feno e palha. Serviam-se de mandatários locais, como o Zé Vinhas ou o Germano, que preparavam as sacas nas loijes dos donos das colheitas.
As regas por ribeiros eram disputadas, sendo até causa de mortes por algum atrevido ter cortado a água com que outro regava. Havia quem tivesse poços que eram deitados por meio de cambos ou noras. Neste caso, teria de se bater à burra ou vaca que, de olhos tapados, andava à volta do poço, fazendo rodar a nora com seus copos carregados desde baixo e esvaziados num tabuleiro em cima. As batatas eram catadas dos seus bichos à mão, deitados num caldeiro e depois queimados. Também utilizavam Gamixane, um químico dissolvido em água, para os matar. Utilizavam vassouras de barceja para abaxucar as batateiras com o veneno. Quem os tinha, utilizava pulverizadores.
Nem todos tinham vinhas. Mesmo assim havia umas trinta, quase todas de pequena dimensão. Davam muito trabalho. Desde as cavas, a poda, a enxertia, as caldas com pulverizador, tendo de se levar para lá cântaros com água, o enxofre com torpilhas, o desfolhar das videiras para entrar o sol, a vindima com cestos, o pisar das uvas ou esmagá-las na esmagadeira, mexer o mosto, a trasfega do lagar para as pipas, a lavagem destas e sua manutenção, até ao provar do vinho em dia de S. Martino, como diz o ditado:
No dia de São Martinho,
Vai à adega e prova o vinho.
Fruta era para comer em casa, dar a algum amigo ou aos porcos. Não havia o hábito de a vender. Por isso, não havia pomares. Apenas se plantavam umas macieiras ou pereiras nos quintais fechados, que a garotada era tentada a roubar.
Cultivar feijões obrigava a regas, colocar estacas para se enrolarem e à sua debulha. O milho tinha de ser descamisado e depois de alguns dias de seca, devia ser desgranado. O milho seria estendido em cobejões (cobrejões) ao sol para secar nas ruas.
Fenos teriam de ser agadanhados, voltados e enfeixados depois de secos e logo acarretados para os palheiros. O pão, se forte, teria de ser renteado por gados, mondado, ceifado, acarretado para a eira e malhado. A palha seguiria em carros de vacas para os palheiros e o grão ensacado para as arcas ou tulhas. A tudo isto devia acrescer-se a sementeira de todos e a preparação dos terrenos com lavras e agradeamentos, para além da adubagem com adubo químico (o nitrato do Chile) ou estercados pelo gado, em rodeio dentro de cancelas.
Enfim, o duro trabalho da agricultura para fazer chegar os produtos às nossas mesas.
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Não resisti a dedicar um poema a esta epopeia e seus heróis…
As Colheitas e as Vindimas
No chão o gancho espetou,
Uma batata rachou,
Outras vieram acima
Sem mostrar qualquer ferida.
Prato te espera, querida.
Ó que ricas batatinhas
Assadas aqui no forno!
São produto da minha horta.
Vieram bater-me à porta
Para as comer bem quentinhas.
Tantos trabalhos lhe deste!
Bichos tirou e matou,
Noite e dia te regou.
Arrancou-te e transportou
P’ra sua mesa servires.
E tu, feijão de estaca,
Branco, vermelho, argentino,
Estás pronto para a saca
E na panela entrares,
P’ra todos alimentares.
Talvez vás ainda à feira
Se fores excedentário.
Uns tostões virão ao bolso,
Cofre de guarda primário,
E seguirão p’rá carteira.
Umas tarrábias p’r ó porco
Ou p’ra outro qualquer vivo,
Com boldregas e tassóis
Pr’ó caldeiro ireis de borco
Juntos com os corrióis.
Milho amarelo ou rei
Irá ser já desgranado,
Depois de bem desfolhado
Ao som de lindas cantigas
Que ao serão eu escutei.
Irás para ração, boa
Para os gados de teu dono.
Talvez sigas p’ró mercado.
Depois, em mílharas, broa
Satisfarás mesmo o trono.
Faltas tu, uva tão doce,
Obteres de viagem visto.
Cortada e logo pisada
No lagar tu terás misto,
Futuro sangue de Cristo.
Mas também saciarás
De teu dono suas golas.
Como Noé ficará
Ébrio com teu sabor.
Também tu matas a dor!
A ranchos darás alegria
Ao colherem-te e pisarem
E teus odores sentirem
Quando os bagos esmagarem
E o doce mosto provarem.
Quantos saborearão
Teu docinho paladar!
Por cá ou no estrangeiro,
Donde virá o dinheiro
Para poder-te amanhar.
Com sua tulha já cheia,
Com comida para o vivo,
E cheios também os quartos
Porquinho será activo,
Com bom vinho em jarra meia.
Assim, bom agricultor,
Com tua vida sorridente,
Casa farta, os teus contentes,
Do suor já esquecido,
A vida sabe melhor.
Agricultor já velhote,
Ao lume porás o púcaro
A aquecer teu rico vinho
Que hás-de beber com carinho
E curar teu catarrote.
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