As próximas eleições presidenciais americanas vão ter um impacto importante no relacionamento futuro entre os Estados Unidos e a Europa, dada a proximidade política e cultural que durante cerca de 250 anos prevaleceu entre estes dois blocos do chamado mundo ocidental e que se manifestou de forma reiterada, ao longo deste período, em interesses estratégicos convergentes.
Não faltam os exemplos históricos desta proximidade, desde a independência americana até ao século XX, em particular durante as duas grandes guerras mundiais.
Em 1917, os Estados Unidos envolveram-se na primeira Grande Guerra ao lado dos seus aliados europeus e, terminado o conflito, contribuíram ativamente para o desenho da geopolítica europeia do pós-guerra e de uma nova ordem mundial através da criação da Sociedade das Nações.
Depois da segunda Grande Guerra Mundial, os americanos desempenharam um papel decisivo na reconstrução económica da Europa, através do chamado Plano Marshall que financiou a reconstrução de 16 países europeus, entre os quais Portugal, mediante uma ajuda económica massiva de 14 biliões de dólares da época (correspondentes a 100 biliões de dólares atuais), e que resultou num incrível crescimento económico, por ventura o maior de sempre da Europa.
Por outro lado, preocupados com a segurança de uma Europa Ocidental forte, em pleno período da guerra fria, os Estados Unidos impulsionaram a criação da Nato, garantindo com as suas capacidades militares, em larga medida, a defesa militar dessa parte do continente europeu. Por outro lado, os americanos não deixaram de dar um apoio discreto, mas eficaz, à própria construção da Comunidade Económica Europeia que, surgida em 1957, se foi desenvolvendo e consolidando até aos nossos dias.
Todavia, esta longa e frutuosa era de convergência sofreu uma reviravolta abrupta a partir das eleições presidenciais de 2016. Durante a campanha eleitoral, Donald Trump adotando o conhecido slogan «America first» inaugurou uma nova fase da política internacional americana que se tem caracterizado por uma posição marcadamente isolacionista. Adversário declarado do multilateralismo, Trump passou a dar preferência às alianças e negociações bilaterais.
Lançou-se designadamente numa virulenta crítica da própria Nato, que qualifica de ineficaz, obsoleta e onerosa, situação que pode, a prazo, colocar em causa o futuro desta organização militar e obrigar a União Europeia a ter de ponderar sobre a necessidade de assumir ela própria, se as circunstâncias o impuserem, a sua própria segurança e defesa, prescindindo do guarda-chuva americano.
Por outro lado, Donald Trump tem vindo a afrontar, em diversas ocasiões, a União Europeia. Fiel à sua atitude mercantil, o atual presidente americano passou a considerar a UE não como um parceiro comercial indispensável, mas como um mero concorrente, defendendo que as trocas comerciais entre os dois blocos são desequilibradas e desfavorecem os Estados Unidos.
Neste contexto, não admira que Donald Trump tenha imposto o seu veto às negociações do Acordo de Parceria Transatlântica e de Investimento, conhecido por TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) destinado a promover o livre comércio e o crescimento económico multilateral entre a União Europeia e os Estados Unidos, negociações que se iniciaram em 2013, mas foram interrompidas pelo presidente americano em 2016.
Esta guerra de trincheiras comercial contra a UE tem, aliás, vindo a ser acompanhada por outros diferendos com vários organismos internacionais. Trump ameaçou que os Estados Unidos devem abandonar a Organização Mundial do Comércio (OMC), acusando-a de tratar o seu país de forma injusta. E ameaçou igualmente com a suspensão da contribuição americana para o orçamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), alegando uma suposta parcialidade desta na gestão da presente crise do Covid-19, situação que não deixa aliás de causar perplexidade, tendo em conta a péssima gestão desta crise sanitária por parte das autoridades públicas nos Estados Unidos, que, ao dia de hoje, já afetou mais de seis milhões de americanos entretanto contagiados pelo coronavírus.
As tomadas de posição de Donald Trump contra a União Europeia têm-se revestido, em alguns casos, de um cariz abertamente provocatório. Foi o que aconteceu quando saudou com pompa e circunstância o resultado do referendo britânico sobre o Brexit. Ou quando criticou a UE pela forma como alegadamente tem gerido a crise do coronavírus, chegando ao ponto de a acusar de ser responsável pela propagação deste vírus nos Estados Unidos.
Em razão do que precede, será caso para questionar se os Estados Unidos, parceiro tradicional da Europa durante dois séculos e meio, continuam a ser um país amigo. Tanto mais que Trump não hesitou em denunciar acordos internacionais nos quais a União Europeia se investiu a fundo, como sucedeu com o acordo de Paris sobre o clima, ou o acordo celebrado com o Irão sobre a produção e uso de armas nucleares, ambos concluídos em 2015.
Neste contexto, as próximas eleições presidenciais americanas de Novembro vão ser determinantes sobre a questão de saber se a atual política internacional americana de forte pendor isolacionista irá prosseguir durante o próximo mandato presidencial ou se, pelo contrário, com a vitória de Biden, o consulado de Trump não terá passado afinal de um mero interregno na longa e frutuosa era de proximidade cultural, política e estratégica entre os Estados Unidos e a Europa. A ver vamos de que lado sopra a vento.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020.)
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Umas simples palavras senhor Aurélio Crespo :
Nós, europeus e também os norte americanos convencemo-nos que o Ocidente deveria reger os destinos da Humanidade. Este convencimento a princípio surgiu de um conceito religioso, a Cristandade ( Católicos e Luteranos ) mais tarde, quem alimentou essa convicção foi o surgir da técnica e da ciência.
Este triunfalismo ainda é compartido por americanos e europeus, mas o caminhar da História mostra-nos que o Ocidente, embora seja o principal bloco de poder, já não é o que foi, começam a surgir potências económicas, militares e com tecnologia avançada, como a China, por exemplo. E as avalanches étnico-culturais que os Estados Unidos e alguns países da Europa combatem, porque tanto temem ?. Tudo isto um dia resultará numa miscigenação.
Os Estados Unidos não aceitam a Globalização, não só por uma questão económica, mas também porque intuem que um dia a raça branca será uma minoria entre minorias, não só nos Estados Unidos, também na Europa. A História da Humanidade sempre foi, e será isto; grandes impérios a desmoronarem-se.
Os relógios que nós trazemos no pulso podemos pará-los, mas a Marcha da História não.
Foi um prazer, António Emídio