Poucos, muito poucos, conseguiram vencer a epidemia e tiveram coragem para afastar o medo e mitigar as saudades das suas aldeias de origem. Poucos vieram passar o mês de Agosto, que em anos anteriores eram de festa. Nota-se, é palpável, que os nossos emigrantes estão menos tempo e mais resguardados, e a falta de convívio popular é notória.

No meio do mês de Agosto percorri algumas aldeias do concelho do Sabugal e fiquei desolado, triste, ruas quase desertas, sem enfeites, sem os festejos religiosos tradicionais, inexistência de palcos improvisados para atuações musicais, sem bailes improvisados, sem bandas de música, sem a capeia arraiana, mercado semanais sem os movimentos de outros anos. Doeu-me a alma.
Este triste mês de Agosto faz-me lembrar as décadas de cinquenta, sessenta e setenta do século passado, em que muitos dos meus conterrâneos e das vizinhas aldeias foram obrigados a procurar uma vida melhor, porque não conseguiam viver de uma agricultura precária, de subsistência, de produtos agrícolas desvalorizados no produtor, sem dinheiro para sustentar a família.
Vivia-se no antigo regime, sem abertura franca de fronteiras, não era fácil a emigração, mas com a ajuda dos «passadores» furavam-se todas as armadilhas e encruzilhadas em território nacional, castelhano e francês, percorrendo imensos caminhos e dificuldades, a maior parte das vezes com fome, suor, lágrimas e também com sangue.
Há mais de meio século as nossas aldeias ficaram despovoadas, desertas, envelhecidas, muitas delas perderam mais de dois terços da sua população. Atualmente não há família que não tenha familiares no estrangeiro, onde não se chegam a juntar três gerações.
Os nascimentos decresceram assustadoramente, escolas vazias foram transformadas em sedes de Juntas de Freguesia, em Clubes de Caçadores, em salas de Convívios, em instalações associativas e até em restaurantes.
Infelizmente a sangria da emigração não tem parado através dos tempos e atualmente 20 por cento da população portuguesa continua a emigrar, sendo o principal destino a Inglaterra.
Com o dinheiro angariado na Diáspora, muitos emigrantes investiram na formação dos seus filhos, na aquisição de bens rústicos e urbanos, na construção de moradias, de residências, algumas são autênticos mamarrachos que descaracterizam as povoações, além de darem imensos lucros à banca. Um ao outro mais vaidoso também vem mostrar a sua máquina automóvel com muitos cavalos…
A maioria do poder local não soube aproveitar esses investimentos, nunca foi capaz de criar um Estatuto do Emigrante, esquecendo as suas missões nos países que os acolhem e onde desempenham por vezes importantes funções políticas, empresariais, culturais e sociais, além de serem grande embaixadores da língua portuguesa.
Nos últimos anos, na maioria das nossas aldeias, foram criadas estruturas de saneamento básico, abastecimento de água e eletricidade e melhores comunicações rodoviárias e outras. Também algumas aldeias, abraçadas pelo Rio Coa, criaram praias fluviais, casos de Rapoula do Coa, Badamalos e Vale das Éguas. Tudo isso não só beneficiou os locais, como também os nossos emigrantes.
No aspecto religioso todas as populações arraianas têm festas aos seus Santos e Santas Padroeiras no mês de Agosto, aproveitando a estadia dos seus filhos emigrantes. Verifica-se que em muitas das Comissões de Festas há sempre elementos a viver na estranja.
Tudo o que atrás foi descrito, neste triste mês de Agosto de 2020, não é uma miragem, e a prova mais evidente é a que encontrei na minha aldeia (Bismula) três pessoas no átrio do lar a aguardar visita, dois carros de matrícula francesa, as ruas desertas, vazio o único café, com uma televisão nas ladainhas de crimes, de homens e mulheres esfaqueados, baleados, brigas conjugais, as imagens tristes e de julgamentos adiados e noticiário desportivo de lixo tóxico. Na igreja paroquial estão as imagens fixas nos seus altares, andores e opas arrumadas, sem saírem às ruas as tradicionais procissões, manifestações de fé. A este tristeza ouve-se o melancólico toque do sino do campanário anexo à torre, que em tempos também quiseram destruir, como aconteceu à Igreja.
Por causa de um vírus maldito temos um triste mês de Agosto, que vai ser acrescido de tempos de pandemias, de mais corrupção, branqueamento de capitais, fugas ao fisco, mais tráfico de influências, insolvências fraudulentas, mais desemprego, com as filas dos que têm a fome a aumentar, mais descontentamentos, medos, problemas sociais e humanos a todos os níveis, enquanto umas minorias vão enriquecendo à custa da desgraça das maiorias. Até quando? É difícil dar a resposta adequada.
Com ou sem epidemia, obrigatoriamente algo terá de mudar para bem da nossa sobrevivência. Tristes tempos…
:: ::
«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
Leave a Reply