:: :: PADRE MORAGO – UM PADRE OPERÁRIO :: :: Nestes meses de Julho e de Agosto aproveitei a oportunidade para me espraiar pelas minhas terras de origem, em passeios imaginários. Calcorreei montanhas, levei comigo amigos de infância, na falta de festas animadas que empolgam sempre o coração de um raiano beirão. Hoje visitamos um padre operário em Navas Frias – o padre Morago.
Ao José Augusto as férias grandes pareciam-lhe intermináveis e resolveu, com grande alegria minha, vir visitar-me. O Nelson continuava a visitar os amigos comigo. Sugeri-lhes para irmos a Valverde del Fresno visitar a Gaudência, a simpática espanhola do bar Don Tomaz, que há algum tempo tinha engraçado connosco. O José Augusto, que não percebeu do que estávamos a falar, sugeriu irmos antes visitar o Padre Morago, a Navasfrías. Informou-nos que era um padre operário espanhol que trabalhava numa fábrica de cutelarias em Albacete e que valeria a pena conhecer. Estava agora de férias. Seria certamente um prazer para ele contactar com jovens seminaristas portugueses, como o José Augusto já teve oportunidade de constatar.
O caminho para Navasfrías era longo, mas muito mais curto que o de Valverde del Fresno. Chegados pelas dez horas, não o encontrámos em casa, mas a mãe disse-nos que estaria no Bar Don Troncho. Aproveitámos para ir lá tomar um café. Encontrámo-lo a jogar as cartas com mais três amigos, cada um com o seu café acompanhado de um habitual Pedro Domecq, bem à espanhola. Fez-nos sinal para esperar que o desafio terminasse e, entretanto, tomámos, tranquilamente, um café solo, sem acompanhamento de brandy.
Ainda perguntei ao José Augusto para me confirmar se era verdadeiramente padre, pois não usava cabeção e, já de manhã, estava a jogar as cartas em vez de ir celebrar missa.
– É um padre operário, convive com as pessoas! É como elas, tem os mesmos hábitos que elas. O seu testemunho é mais importante que a pregação numa igreja. As pessoas podem-no contactar mais facilmente, até aqui no café.
– O padre deve ter uma profissão, deve ganhar a vida com o seu trabalho – disse o José Augusto – Viver da chamada côngrua, que é quase o mesmo que viver de esmolas, é humilhante para qualquer pessoa.
O padre Morago veio ao nosso encontro e notou a nossa conversa animada.
– Então, é padre operário? — perguntei com ar curioso.
– Pois porque não? – respondeu ele num tom espanhol!
O José Augusto, que já o conhecia, fez a nossa apresentação. No fim, o padre Morago que gostaria de nos conhecer melhor, disse:
– Então hoje são meus convidados para almoçar. O Don Troncho vai preparar-nos um almoço espanhol!
Desta não estávamos à espera, mas também não poderíamos recusar tão simpática amabilidade. Propôs darmos uma volta pela pequena aldeia e levou-nos até à praia fluvial.
– Sabiam que Navasfrías já foi portuguesa? Pertenceu ao Sabugal! – quis informar-nos o padre Morago, ao sair do café, como para nos dizer que estávamos a pisar terreno que já tinha sido português.
Também ao passarmos um pontão debaixo do qual corria um ténue fio de água, informou-nos:
– Aqui passa o rio Águeda!
– A sério? – perguntou o Nelson, admirado.
– Este rio, que vai desaguar ao Douro, nasce aqui perto daquele monte que vemos acolá – apontando com o dedo – No nascimento, os rios são quase sempre todos pequenos! Mas, por exemplo, em pleno Inverno, a água deste rio chega a bater nos resguardos da ponte. Toda a chuva que cai é escoada através destes montes e vem ter ao leito do rio que, por vezes, atinge as casas que estão mais próximas.
– Não usa cabeção! – pretendi eu mudar de conversa, porque estas informações já as conhecia das vindas a esta aldeia fronteiriça, juntamente com o meu pai. Percebi que o padre Morago estava a querer pôr-nos à vontade ao passear connosco, mostrando-nos a natureza, num fim de manhã cálido do mês de Julho.
– Não! Já há muitos anos! Sou padre, é verdade, mas não tenho necessidade de o mostrar. Aqui, na aldeia, toda a gente me conhece e, onde vivo, em Albacete, também há muita gente que sabe que sou padre. Eu penso que não é necessário usar distintivos destes ou de outros. Temos de viver no mundo como as outras pessoas.
– Nesta matéria ainda temos muito que caminhar! – observou o José Augusto!
– Nestas e noutras! – continuou o padre Morago, – Estas ainda são das mais fáceis de mudar. Mas não pensem que todos os clérigos iriam aceitar! Eles pretendem ser reconhecidos ao longe; no fundo, querem ser diferentes do comum dos mortais.
– Mesmo para celebrar missa não usa o cabeção? – insistiu o José Augusto.
– Quando se veste a alba branca e a estola, o que é necessário mais? O que é que o cabeção me traria de novo? Até já celebrei sem a alba.
– Talvez as pessoas estranhem, porque não é vulgar…
– A igreja tem de começar a mudar e nós temos de dar o exemplo, mesmo que os bispos não queiram. Não é por não usa cabeção que um bispo vai pôr um padre de lado…
Já estávamos sentados à mesa, a comer a entrada, uns típicos calamares à la romana, especialidade de Don Troncho e que o padre Morago apreciava.
– Estão muito bons, mesmo saborosos! – observou o José Augusto com o qual todos concordámos.
– Conheço um casal amigo que é da Guarda e vive em Albacete. A mulher trabalha num restaurante e ele é operário da construção civil. Encontro-os à saída da missa que celebro num bairro periférico da cidade. Como sabem que sou originário da fronteira, andam sempre a convidar-me para ir a casa deles nas férias. Talvez vá até lá daqui a uns dias.
– Infelizmente, nenhum de nós lá estará para lhe mostrarmos a cidade. Entramos no liceu, no princípio de Outubro.
:: ::
«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
:: ::
Leave a Reply