É outro dos elementos primordiais da paisagem de Quadrazais. Chamavam-lhe a Côa (ribeira). Ainda hoje dizem: Vamos à rebeirê, ao Lameirão da Rebeirê. Poucos campos regava. No entanto, a sua água fazia funcionar vários munhos (moinhos) instalados no seu percurso. Nele lavavam a roupa maior-lençóis e mantas, sobretudo no Lameirão da Rebeirê, onde tinham espaço para a secar. Usavam tacoilês para se ajoelharem junto da água. Esse mesmo local era o preferido para a miudagem e rapaziada se banhar no Verão, passando através de um tronco de pinheiro para a ilhota do Cornelho. No Lameirão jogavam à bola. Era também aqui que os quintos se vinham lavar na véspera das inspecções, tal como os que desejavam acabar com a sarna na noite de São João.

Outro local conhecido do Côa era a Lameirê. Era preciso atravessar as poldres para ir à capela do Espírito Santo. Antigamente, por ser um espaço de pastagem comunitário, traziam para aqui as vacas de quem as tinha.
Havia três lagoas, a Grande e mais duas pequenas. Mais tarde foram drenadas e os cinco a seis hectares de relva foram repartidos por todas as famílias através de sorteio.
Foi o refugiado da guerra civil espanhola e antigo ministro da República, Julio Alvarez del Vayo, conhecido em Quadrazais por D. Pedro, acolhido em casa do Jé Selada, que fez a repartição. O Jé Selada conhecera-o quando se escondeu numa seara em Espanha e onde também se havia escondido del Vayo, nos tempos da guerra civil espanhola. Trouxe-o para Quadrazais, onde vivia sob o nome de D. Pedro.
Havia apenas dois sítios onde se podia atravessar o Côa: à Lameirê com poldres de grandes pedras de cantaria, hoje com uma ponte, e à Ponte, onde desde talvez há séculos existia uma ponte com tabuleiro em madeira, hoje em cimento.
Hoje, o Lameirão da Ribeirê perdeu o seu lugar para a Lameirê, onde, para além da ponte, foi feita uma represa que constitui autêntica piscina, ou praia fluvial, com areia e salva-vidas. A ela acorrem no Verão quadrazenhos e doutras terras, mesmo de Espanha. É uma enchente sobretudo de emigrantes.
O rio tinha abundância de trutas, barbos e vogas. Havia alguns pescadores que o procuravam. Mas a pesca clandestina era feita à bomba, com travisco (trevisco) ou imbude, matando grandes e pequenos. Usavam também o galricho para os apanhar.
Embora propriedade dum Fojeiro, é em terrenos de Quadrazais que se implantou um viveiro de trutas com lago de diversão de pesca e com um restaurante em que o prato principal são trutas fritas.
Alguns desastres ficaram ligados ao Côa. Em Dezembro de1909 houve uma grande enchente que destruiu munhos e arrastou arcas e outros haveres dos moleiros.
No Côa se afogou um filho do Espanhol, que mergulhou sobre um tronco com pregos, tendo-se espetado um na cabeça.
Pela importância que sempre teve para Quadrazais, vou dedicar-lhe uns versos.
O Côa
Corre, corre, ó ribeira,
O Côa ou a Côa chamada.
É mesmo um grande prazer
Banhar-se nas tuas águas
Pr’a quem está em lazer.
Tuas águas movem moinhos,
Levadas tu alimentas,
Alçudes enches de água
Que a nadar a todos tentas.
Que lindos são teus peixinhos!
Os munhos cheios de grão
Aguardam-vos, águas meigas.
Rodízios fizeste andar
Até encher as taleigas,
Prenhas com o nosso pão.
Em ti se lavaram quintos,
Meninos aí se banharam.
Muita roupa em ti lavaram.
Em tacoilas ajoelhadas.
Nossas mães te procuraram.
Em ti lavaram a roupa,
Os lençóis e travesseiros,
As mantas e cobertores,
Postos logo ao soalheiro
A enxugar sem odores.
Sarna quiseram tirar
Em noite de São João.
Em ti vieram nadar
Rapazes com comichão
Para em ti seu mal curar.
Divertiste pescador
Clandestino ou amador.
Umas trutas regalaram
Quem delas alguns provaram.
Corre e leva esse actor.
Com imbude os apanhavam,
Com travisco ou à bomba.
Peixinhos mortos ficavam
E tu com alguma tromba.
Podias ser apanhado!
Junto a ti jogaram bola
Meninos já sem escola.
Que fazer eles podiam?
Mantê-los era uma esmola
Que os pais te agradeciam.
Que saudades do cornelho
E da passagem incerto,
E ainda dessas poldres
E algum mergulho já perto.
Não seguiam o conselho!
Pr’a ir ao Esp’rito Santo
Tinham que atravessar-te.
Era o prémio dos ousados
Ver a capela molhados,
Com algum riso, portanto.
Pena é que em ti morresse
Afogado um ou outro.
Pena porque lá nadou
Em dia de mau agouro.
Dá-lhes a paz que merecem!
Visito-te no Verão
Para banhar-me na praia
Onde até minhas filhitas
Gostam de nadar sem saia.
Obrigadas te estão!
Barragem armazenou
A água que aqui passou.
Matas a sede a estranhos
Na longínqua Meimoa.
Caridoso tu és, Côa.
Mas também regas agora
Lameiros que nunca viste
Em terras do Casteleiro.
E a outras terras subiste.
Água não tinham primeiro.
O mesmo fazes a todos
Que perto de ti se encontram,
Incluíndo Quadrazais
E outros ainda mais,
Fazendo do seco lodos.
Durante o teu caminho
Muitos terrenos ensopas
Até entrares no Douro
Pimpão como ás de copas.
Bem te podem dar carinho!
Corre, corre, entre fráguas,
Até parares no Douro.
Corre, corre sem parar.
Valiosas como ouro,
Aproveitai suas águas.
Leave a Reply