A casa dos meus avós paternos foi, em tempos, cercada de hortas a cheirar a terra cavada. Hoje, os mesmos quintais circundantes, exalam odores a erva fresca desde o início do inverno até ao final da primavera. O resto do ano rescendem a feno.

Era a primeira casa do povo marcando o inicio de uma rua estreita que segue, em curva, até o Largo do Cruzeiro. Com o rasgar de novos acessos a aldeia virou-se para outra entrada e o edifício de ostentoso passou a recôndito, de primeiro passou a último mas sem perder hombridade.
A par do hemisfério reconstruído, a outra parte do interior da moradia, ainda soalhada a carvalho, sustém quartos pequenos a dar para uma sala ampla. Há portas pesadas e mociças. Persistem janelas de vidros pequenos que teimam em oferecer imagens recortadas do Monte do Jarmelo.
Acede-se ao primeiro piso por sóbria escadaria granítica, esteada no pátio.
A porta principal é servida por uma varanda de madeira cujo gradeamento mantém seculares e ingénuas geometrias. O traço exterior nunca mudou nem julgo possível mudar. Continuará a retratar contornos registados no tempo por uma arquitetura fiel ao gosto inicial, a dignidades primitivas e, até, a alguma prosperidade de outrora. Só assim se garantirá um ambiente genuíno, agradável, acolhedor e quase sempre perfumado.
O Largo do Cruzeiro, eterno vizinho desta casa, era o sítio de todas as animações. Agora, é exortado por cânticos de pássaros descomprometidos a hilarizar o recinto. O cruzeiro, de granito musgado, recebe, de braços abertos, o longo pátio, paralelo à rua e ladeado de anexos presididos pelo edifício principal.
Quando os meus avós faleceram, era eu menino, meu pai recebeu metade de todo este composto. A minha tia Maria, que adiu o restante, vendeu a estranhos. Ainda assim, casa e envolvente, nunca deixaram de ser a casa dos meus avós.
Ultimamente assumi a parte de meu pai e adquiri, por fim, a que foi da minha tia. Hoje é meu todo o mesclado. Guardo o que posso de uma amalgama de velharias: mobílias, pratos e jarras a exibir motivos floridos. São imensas as recordações, algumas delas registadas em fotografias, tudo a preto e branco.
Em redor da casa a minha infância também foi feliz. Sujei os pés na terra arável dos quintais. Repassei os calcantes nas humidades do renovo primaveril. Habituei-me a vigiar o voo dos pássaros tentando adivinhar destinos. Conheci verduras perenes que o outono nunca acastanhou.
Aprendi os verões quentes que fazem secar invernos. Enfim, por aqui me enraizei.
Neste lugar consumo, agora, períodos de tempo, curtos, que desejaria poder alargar. Venho em busca de um espaço que me permita levantar lembranças para carregar a pilha da vida. Não encontro memórias ruins.
Acho, sim, nostalgia, muita paz e sinto que as almas dos meus pais e avós ficarão felizes ao ver-me por cá, pelos seus lugares.
Nada, por aqui, se atraiçoa, portanto. Não se trai nem passado nem futuro e muito menos o coração.
:: ::
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011.)
:: ::
Obrigado por esse relato e por essas memórias. Terei prazer em ler esse conto para o meu pai! 🙂
Muito bom, descreve perfeitament e o espaço e transmite a poesia do sitio Adorei