Quando, em 22 de Dezembro de 2019, aqui trouxémos «Ecos de uma Redação de tema livre», estávamos longe de pensar que, menos de sete meses depois, aqui voltaríamos com «Ecos», não da referida Redação, mas, infelizmente, do sétimo dia do falecimento do Padre José Júlio Pinheiro, o Professor de Português que não acreditou na autoria da Redação e, por via disso, deixou de a classificar.

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«A Igreja só foi verdadeiramente escutada e aceite quando se voltou para a Cultura»
(Em memória do Padre José Júlio Pinheiro, Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)
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Falamos de e evocamos o Rev. Pe. Doutor José Júlio Esteves Pinheiro, que já não se encontra entre nós, ocorrendo hoje o sétimo dia do seu falecimento.
Falecido no dia 10 do corrente mês de Julho, foi sepultado, no dia seguinte, no cemitério da Malhada Sorda, sua terra natal.
Coadjutor da Paróquia do Sabugal (cujo Pároco era o também saudoso Pe. Souta), professor do Externato Secundário de, pelo menos, Geografia, Religião Moral e Português, arriscamos dizer que terá sido um dos maiores nomes da cultura que passaram, naqueles tempos, pelo Sabugal.
A sua biblioteca, já na década de 60 do século passado, era deveras imponente, como, então, nos foi dado observar e apreciar.
Bastante poupado (na altura nem carro tinha) todo o seu aforro era investido na compra de livros e consequente engrandecimento da sua biblioteca.
Após o Sabugal, passou por França na Assistência Religiosa a comunidades portuguesas, de cuja vivência nos dava conta pela publicação semanal (ou quinzenal) de curtas, mas interessantes, incisivas e doutas crónicas, no «Amigo do Sabugal», versão do «Amigo da Verdade» para a região do Sabugal.
Mais tarde, a partir dos anos 90, foi professor na Universidade Católica, em Lisboa.
E, mais recentemente, radicado na Guarda, a respectiva Diocese confiou-lhe a responsabilidade pela Pastoral da Cultura.
Entendemos recorrer ao «site» do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura e dele nos foi dado colher, além da foto e legenda atrás reproduzidas, o excerto que passamos a reproduzir:
«Foi um dos pioneiros da Pastoral da Cultura em Portugal, ao participar, a partir de 2006, nos primeiros encontros nacionais de Referentes organizados pela então denominada Comissão Episcopal da Cultura, em representação da diocese da Guarda: o P. José Júlio Esteves Pinheiro faleceu esta sexta-feira, 10 de Julho.
Nascido há 85 anos em Malhada Sorda, concelho de Almeida – onde na manhã de hoje, 11 de Julho, se realizou o funeral –, foi ordenado padre a 20 de Agosto de 1958, tendo completado 60 anos de sacerdócio em 2018.
Após a ordenação, foi coadjutor na Covilhã e, mais tarde, no Sabugal. Em 1985 foi destacado para o serviço dos emigrantes portugueses em França, país em que obteve o Diploma de Estudos Aprofundados e o exigente Doctorat d’Etat.
Concluiu licenciatura em Psicologia, no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, e em Filologia Românica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
De regresso à diocese da Guarda, foi professor do ensino superior, nomeadamente na Universidade Católica, ao mesmo tempo que colaborou com vários párocos e movimentos.
«A nível diocesano, muitas vezes tenho representado o nosso prelado em eventos culturais, sempre que, convidado, não pode estar presente. Com os vereadores responsáveis pela cultura nomeadamente das Câmaras da Guarda, Penamacor, Trancoso levámos a efeito conferências e colóquios que tiveram grande êxito», declarou ao jornal «A Guarda», ao referir-se, em 2009, à sua actividade como Referente.
Pessoa muito afável e entusiasta, o P. José Júlio sublinhava, na entrevista, a disponibilidade do seu serviço: «Os párocos, as mordomias, as associações culturais podem contar sempre com os nossos serviços. A cultura é um bem de todos e para todos. Amar a cultura é subir e quem sobe converge, como dizia Santa Teresa.»
«De resto todos sabemos que amar a cultura é prestar culto, pois a palavra cultura vem de culto, culto aos homens e a Deus. Por outro lado, todos sabemos que a Igreja só foi verdadeiramente escutada e aceite quando se voltou para a cultura», frisou.» (*)
Retomando o nosso pensamento, temos que na área da Religião Moral (que correspondia à atual Educação Moral e Religiosa Católica) era rigoroso e exigente, pelo que, aluno que não tivesse, ou não levasse, o Manual da Disciplina para a aula, teria falta de material.
Ainda no tocante a essa disciplina, publicou, com o «Nihil Obstat», de 9-XI, do Dr. A. Mendes Fernandes e o «Imprimatur Guarda», 18-XI-1970 + Policarpo, Bispo da Guarda, «Temas para os jovens», dedicado «A todos os jovens que amam a verdade e vivem impacientemente à procura de um mundo melhor construído na paz e na caridade».
Adquirimos, em 14-12-71, um exemplar que, lido e relido ao longo dos quase 50 anos decorridos, ainda guardamos e aqui reproduzimos.
É uma obra de fácil e sugestiva leitura, pela variedade temática e pela rica e oportuna abundância de citações com mais de uma centena de citações ou referências a autores nas primeiras 100 das 266 páginas do Livro.
Àcerca do seu modo de ver o Mundo e a Sociedade, foi-nos dado tomar conhecimento de um caso, passado numa aula no Colégio, na década de 70, altura em que já o não frequentávamos.
Foi divulgado um massacre em Moçambique, na Província de Tete, conhecido por «massacre de Wiriyamu» ou «Operação Marosca», em finais de 1972, com elevado número de mortos civis, pelos soldados portugueses.
O massacre foi denunciado pelo jornal britânico «The Times», na edição de 10 de Julho de 1973, por um padre católico britânico.
Não obstante a falta de liberdade para comentar (e, muito menos, reprovar) situações como aquela, sucede que o professor Pe. José Júlio cometera a imprudência ou a ousadia de comentar o caso numa das suas aulas.
Ao fazê-lo, ter-se-á esquecido ou negligenciado o facto de entre os alunos da sala poder encontrar-se algum aluno ou aluna, que pudesse trazer para fora da aula o que ali se passasse.
Entre os alunos encontrava-se uma filha de oficial da Guarda Fiscal, que, chegada a casa, possivelmente na maior das naturalidades, contou o facto e, quiçá, a posição do Professor.
Tanto bastou para que o Sr. Pe. José Júlio fosse, sem demora, «visitado» no Sabugal por elementos da DGS-Direcção Geral de Segurança, sucedânea da PIDE-Polícia Internacional e de Defesa do Estado.
Do caso não terão resultado graves consequências ou danos de maior, pelo facto de sólida argumentação do visado ou, porventura, atendendo à sua situação de Sacerdote Católico, sem antecedentes na matéria ou, e porque não, por eventual intervenção de alguém bem visto para o Regime e que tenha entendido sair em defesa do conceituado Padre José Júlio.
Seja-nos permitido terminar com uma referência mais pessoal.
Pela habitual consulta (via net) ao Anuário Católico, entendemos felicitar, telefonicamente, o Sr. Pe. José Júlio, num dia 20 de Agosto, data ali constante como a do aniversário da sua Ordenação Sacerdotal, verificada no ano de 1958. Com o agradecimento pela felicitação, aproveitou para nos dizer que a data da Ordenação fora em 20 de Julho daquele referido ano de 1958 e não de Agosto, pelo que estaria mal no Anuário Católico.
Festejando anualmente a 20 de Julho, por saber ser esse o dia, não terá sentido a necessidade ou interesse em mandar retificar no Anuário Católico.
Tanto assim, que em todas as referências ao seu passamento, quer da Diocese e mesmo da Agência Ecclesia, que gere o Anuário Católico, apresentam a sua Ordenação de Sacerdote em 20 de Agosto de 1958.
Com a sua partida para a Casa do Pai, deixou de constar no Anuário Católico, pelo que já não há que retificar.
Não nos sentiríamos bem connosco, na apresentação desta singela homenagem, se lessemos e relessemos aquela errada data de ordenação e não recorressemos aos Serviços da Diocese da Guarda – Diocese da Ordenação – para confirmação do que conhecíamos pelo próprio.
A senhora funcionária, que nos atendeu na chamada telefónica, foi à ficha do Sr. Padre e confirma que a Ordenação Sacerdotal, que se seguiu à Ordenação como Diácono, teve lugar na Sé da Guarda, pelo Bispo Sr. Dom Domingos e no dia 20 de Julho de 1958.
Acrescentou, naturalmente, que já nada iria fazer, por desnecessário, relativamente ao Anuário Católico.
Obrigado Sr. Pe. José Júlio pelos seus magistrais ensinamentos, mormente em Português e pelas lições extra-aulas, aqui e ali, sobre realidades da vida sabugalense e do Mundo em geral.
Obrigado também pela sua presença, em 21 de Julho de 1973, no nosso Casamento, juntamente com os também Professores do Colégio, Srs. Padres António Souta e José Maria Machado e, ainda, Sr. Pe. Manuel Vicente Branco, Pároco da Paróquia de Panóias de Cima, que foi o Ministro do Sacramento.
A todos eles foi agora juntar-se o Sr. Pe. José Júlio.
Seja-nos permitido associar, nesta partida, uma referência de gratidão e saudade à nossa Madrinha do Casamento, D. Maria da Glória de Seiça Cortesão Alves Correia, falecida no dia 5 do corrente.
Era esposa do Padrinho, Dr. Dionísio Alves Correia, actualmente Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal Administrativo, o qual, à semelhança de, entre outros, Trindade Coelho e o Juiz Conselheiro Jubilado Gabriel Catarino, este do vizinho Concelho de Almeida, iniciou a sua carreira na Comarca do Sabugal, como Delegado do Procurador da República.
Porque as palavras são como as cerejas e, também, porque não há duas sem três, seja ainda dado referir a partida, poucos dias antes, do mais novo dos nove primos da Lisdália, o Fernando Alves, de 51 anos, também nosso convidado do casamento.
Para todos eles uma sentida saudade e votos de Bom Descanso!
Crónica «Ecos de uma redação de tema livre»… (Aqui.)
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(*) Fontes: Rui Jorge Martins, Diocese da Guarda e jornal «A Guarda».
Imagem: P. José Júlio Esteves Pinheiro | 5.º Encontro Nacional de Referentes da Pastoral da Cultura | 31.1.2009, Fátima.
Publicado em 11 de Julho de 2020.
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«Ecos», crónica de Isidro Candeias
Só hoje, e por mero acaso, tive conhecimento do falecimento do meu saudoso Professor Doutor José Júlio Esteves Pinheiro. Recordo-o com muito carinho e terá sempre um lugar especial no meu “cantinho de memórias”. Foi um Professor muito culto, exigente e respeitado.Fez a orientação do meu trabalho final para conclusão do curso superior de O.I.S.E. (Organização e Intervenção Sócio- Educativa) no I.PG. – «O CONTO – TEORIZAÇÃO E PEDAGOGIA».
Que o SENHOR o tenha em sua companhia e o meu saudoso Adeus.
Irene Cardona
Domingo, 2 de Agosto de 2020
Isidro, vou aproveitar a tua nota sobre o Dr.Padre José Júlio Pinheiro para lhe escrever uma uma pequena homenagem:
O tempo vai passando e, cada dia, sempre que o recordo, a mesma vontade de lhe dizer alguma coisa e é sempre tempo de falar dos Amigos – e o Dr. Pe. José Júlio era e é um Amigo: aquele Amigo que se encontra em alguns professores, aquele Amigo que sabe tão mais que nós e nos vai passando um pouco desse saber, aquele Amigo que, sempre que está connosco, nos traz tantas saudades e transforma esses pequenos momentos em encontros de partilha, de saber, de surpresa e consideração.
Foi assim que o Dr. Pe. José Júlio passou pela minha vida, colaborou na minha personalidade me ajudou a ser a pessoa que hoje sou.
Obrigada Dr. Pe. José Júlio
Descanse em Paz
Irene Cardona
(Um abraço, Isidro)
Os meus sentimentos à Família.
Sempre simpatizei com o Padre José Júlio, de quem fui aluno em 1967-68 e colega nos dois anos seguintes. Coube-me a mim a honra, por convite do Dr. Diamantino, instalar e dirigir a Telescola no seu começo.
Sempre que pedi ajuda ou apoio, sempre, sempre, o Padre José Júlio lá estava presente sem qualquer atitude de arrogância ou superioridade – o que, verdade se diga, não era o caso de outros colegas dele (e mais tarde meus).
Lamento que a vida não lhe tenha sido mais longa.
Recordo-o com serenidade, sempre.
Caro Amigo Dr. Isidro Candeias
Acabo de saber, através deste seu texto, do falecimento do Prof. Doutor Pe. Júlio Pinheiro. Fomos colegas na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica e, para além da proximidade académica, unia-nos o facto de sermos ambos naturais das terras ásperas e pedregosas de Ribacoa. Almoçámos muitas vezes juntos nas cantinas da UCP e tivemos produtivas conversas sobre as gentes e a cultura local raiana. O Doutor. Pinheiro era também um profundo conhecedor da cultura francesa e eu, que fui um fugaz emigrante “soixante-huitard”, aprendi muito com ele. Lamento profundamente a sua morte e associo-me ao pesar das gentes malhadenses.
Adérito Tavares
Caro Amigo Prof. Adérito,
Obrigado pela sua rica e abrangente partilha, a qual teve ainda o condão de me fazer recuar uns anos à Universidade Católica – Lisboa, onde, numa Pós-Graduação em Direito Matrimonial Canónico, me foi dado conviver e partilhar com um Sacerdote da Diocese da Guarda, o Pe. Dr. Carlos Manuel Helena, então a cursar Licenciatura em Direito Canónico, o qual, além de Pároco, é o Vigário Judicial do Tribunal Eclesiástico (da Guarda).
Uma pequena informação: naquele tempo dispensava-se, no então 5º ano, com 14 valores. Já no sétimo ano eram precisos 16 valores.
Também eu fui aluno do Rev. Pe. Dr. José Júlio Pinheiro e guardo muito boas recordações do seu modo de ensinar e do seu interesse pela cultura, claramente dignas de registo.
Agora que o Dr. Júlio Pinheiro passou aquele estado em que o tempo e o espaço não têm medida, restam-nos as memórias. Paz à sua alma!
Caro Carlos Carvalheira,
Fui aluno do Colégio do Sabugal até ao ano 1965/1966.
Posteriormente ainda fiquei pelo Sabugal como funcionário da Câmara Municipal e, talvez nessa altura, frequentava o Colégio Carlos Carvalheira, o qual conheci,já Professor, mas a fazer 6º e 7º Anos.
Trata-se do mesmo que ora veio ao assunto?
Poderemos encontrar-nos num próximo Encontro de Antigos Alunos, Professores e Funcionários do Colégio, que já teve XIII edições (este ano, devido à situação, ainda não foi convocado e, por certo, não terá lugar).
Até uma próxima oportunidade.
Isidro Candeias