Para os rapazes era a festa civil mais importante. Tirar sortes significava decidir suas vidas. Mas a festa saía cara. Lá diz o ditado: «Quem quer festa, sua-lhe a testa.» Mandar fazer um fato e sapatos novos, pagar as despesas do tocador da concertina e as borgas levavam o ganho de alguns meses de trabalho ou idas a Espanha. Quando ficavam «esperados», teriam de voltar a suportar estes gastos no ano seguinte.

Em Janeiro do ano em que completavam 20 anos, os quintos iam ao Sabugal a cavalo e com tocador «dar o nome», isto é, inscrever-se. Em Julho teriam de se apresentar na Cambra (Câmara) para tirar sortes, isto é, serem vistos por militares que lhes ditariam a sorte: ficarem apurados (fita vermelha), livres (fita branca) ou esperados (fita verde).

As namoradas deveriam fazer-lhes caturnos em algodão o mais bonitos possíveis, normalmente às amêndoas. Teriam de pedir um cavalo a algum amigo, que montariam para ir ao Sabugal. Na véspera da inspecção iam banhar-se no Côa, ao Lameirão da Ribeira, alguns pela primeira vez. Aí comiam carne de cabrito assada e enfeitavam varinhas de sanguinho com a tinta das moras trigais. Regressavam à povoação em festa, cantando e dirigindo-se ao Vale, onde o balho continuava. A povoação quase parava durante oito dias. O tocador era recrutado fora. Durante muitos anos foi contratado o Manel Agusto, de Salgueiro do Campo, que haveria de fazer parte da Orquestra Filarmónica de Castelo Branco. Trazia todos os anos uma moda nova, que os rapazes cantavam nesses dias.
No dia da Inspecção, juntavam-se à Praça, montavam seus cavalos ajaezados de bonitas colchas espanholas, e seguiam para o Sabugal. No regresso era galopar a ver quem chegava primeiro a dar as novidades das sortes aos que os esperavam a Santo António, sendo anunciada a chegada a Quadrazais com foguetes. Continuava o balho, para alguns com pouca alegria.
Não quis esquecer este momento festivo, que eu já não vivi, porque na minha vez já quase não havia quintos e fomos de camioneta ao Sabugal, mas que é das tradições que mais recordo com saudade. Dedico-lhe estas quintilhas.
A Inspecção
Eh! Já lá vêm, ó vizinho,
A bom galope na sela,
Cada qual em seu cavalo,
Suas fitas na lapela.
Vá lá, corre, cavalinho!
Contentes uns, outros tristes,
Com a sorte que lhes coube,
De irem para soldados
Ou ficarem esperados.
Indif’rentes alguns vistes.
Uma semana passaram
Em festa. Ao som do toque
Da concertina balharam
Com moças bem adornadas
Sob as vistas das casadas.
No rio Côa se lavaram,
Suas varinhas pintaram
Com boas moras trigais.
Contentes já regressaram.
Cantem, cantem os demais.
Boas rações ministraram
A cavalos que emprestaram.
Queriam ser os primeiros
A chegar a Quadrazais,
Deitar um foguete ou mais.
De fato novo adornados,
De sapatos a estrear,
Lindos caturnos ostentam,
Feitos para os namorados.
Elas também na festa entram.
No Sabugal exibiram
Seus corpos bem musculados
Para seu país servirem
Como futuros soldados.
Os portugueses vos miram.
Este chora porque irá
P’ra longe de sua mãe,
Que a comer não voltará
Sem a força de seus braços
O pão de tantos cansaços.
Este contente? Que absurdo!
Por ir para novas terras.
Oxalá não tenha de ir
Batalhar em novas guerras.
Que o diabo seja surdo!
Outro está aborrecido
Por nova festa pagar.
Queria já decidir,
Adiado é empatar.
Ditou-o o verde tecido.
Não sabe bem que escolher
Com esta fita na ropa:
Se casar e filhos ter,
Se melhor seria a tropa.
Pois seja o que Deus quiser!
Já o que traz fita branca
Tem seu destino marcado.
Casar e ter vida nova,
Que o tempo é já chegado.
Sonha, o sonho não estanca!
Tive pena de não ter
A minha festa normal,
Indo com os outros quintos
À vila do Sabugal.
Que saudades dela sinto!
Fui já de camioneta,
Sem cavalo nem foguete.
Trouxe uma fita vermelha
Que guardo bem num saquete
Para a ver futura neta.
Orquestra TÍPICA Albicastrense
Apenas uma correcção! Eu posso estar enganado, mas julgo que dar o nome era aos 18 anos! Também eu em 71 já não fui de cavalo, mas de Cadillac cedido pelo Toninho Oliveira da Ranking a um sobrinho dele – o Zé Manel – que era também quinto (éramos 5). Como íamos a Viseu à inspecção (RI 14) e o cadillac avariou, na Guarda o Zé Manel teve de pedir um Renaul 5 a um amigo e lá seguimos nós.
Na inspecção havia sempre alguma peripécia que se passava; lembro-me que havia um fulano de outra terra que devia ser um pouco atrasado e que foi para a parada de cuecas, em vez de ir talvez para os balneários.
Foram bons tempos esses da inspecção a cavalo e com tocador; no Soito iam lavar-se ao janadão – a ribeira que vem da Granja!
sabe bem recordar esses tempos porque recordar é viver!
Talvez tenha razão. Já não me recordo bem. Os anos passam e há pormenores que esquecem.
É verdade, recordar é viver.
Franklim Braga
Parabêns
Muito obrigado!
Franklim Braga