A Chanceler alemã, Ângela Merkel, parece eterna. Ao observar as fotografias onde se encontra com os colegas nas cimeiras europeias, no início das suas funções, nenhum deles já se encontra no poder. Lembremos alguns: Chirac, Zapatero, Blair, Juncker, Verhofstadt, Sócrates. Com 65 anos, Merkel encontra-se na ribalta, sobretudo agora que o seu país assume a presidência do Conselho de Ministros da União Europeia.

O actual contexto é preocupante, pois adivinha-se no horizonte uma crise económica sem precedentes, corroborada com outros problemas que o não são menos: a futura relação com o Reino Unido, a transição numérica e económica e, sobretudo, o acordo dos 27 sobre o orçamento europeu 2021-2027 que deve ser aprovado pelo Parlamento, e o plano de desenvolvimento de 750 biliões de Euros proposto pela Comissão.
Os desafios são consideráveis e é mesmo importante ter, neste momento, a Alemanha, a locomotiva da Europa, e, principalmente, Ângela Merkel no governo da União Europeia. Com os seus quinze anos no poder, Merkel já viu tudo, conhece tudo e todas as pessoas, e já assistiu a todas as crises europeias.
Além disso, as condições estão reunidas para que a presidência alemã consiga objectivos importantes: Merkel está no fim de carreira, a Europa encontra-se num momento histórico, o presidente Macron já deu sinais de reforçar o eixo franco-alemão e a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, é uma amiga de Merkel.
A epidemia também não poupou a Alemanha e, para ajudar as empresas, Merkel quebrou o tabu da ortodoxia orçamental, alargada aos outros países europeus, assim como a mutualização da dívida, juntamente com Macron, e ajudando os países do Sul. Todos os observadores estão de acordo que Merkel mudou de rumo porque compreendeu que a crise actual iria pôr em risco a existência da própria União Europeia e que o seu país iria ser gravemente afectado pelo fracasso do projecto europeu. Ângela Merkel tem consciência da interdependência alemã com o resto da União. Ela sabe que ajudar os outros países é ajudar a própria Alemanha.
Actualmente a imprensa está a tentar desfazer a ideia de que era a Alemanha que pagava para os outros países, opinião amplamente difundida, aquando da crise da zona euro. Lembremos que a Chanceler e o seu ministro das finanças da época, Wolfgang Schauble, sujeitaram os países que tinham pedido ajuda, a aceitarem, em contrapartida, planos de austeridade drásticos e reformas que muito fizeram sofrer as populações. Nessa altura, Merkel não beneficiou da empatia dos países do Sul e corria a opinião de que havia na Europa países formigas e países cigarras, como a Grécia, que esteve quase na porta de saída da zona euro. Felizmente que o presidente Hollande conseguiu evitar tal procedimento.
Muito se tem apontado a Ângela Merkel: que não sabe exactamente o que quer, que aborda a política com a sensibilidade de cientista, que reflete demasiado, que é prudente, que é reticente, que mede todas as consequências políticas. Paradoxalmente, pode também tomar decisões radicais, de um dia para outro, tais como, abrir as portas a um milhão de refugiados, abandonar o nuclear, pôr de lado o rigor orçamental e, agora, aceitar a mutualização da dívida.
Mesmo se alguns consideram que Ângela Merkel não tem uma visão utópica da União Europeia, como o seu mentor e predecessor, Helmut Kohl, embora os tempos sejam diferentes, ela pode tornar-se uma pedra fundamental para a estabilizar e encontrar as soluções que a tornem mais sólida. Com esta nova presidência alemã, Ângela Merkel tem uma ocasião de entrar nos anais da história, não apenas como comandante da União Europeia, mas como guia para lhe abrir novos horizontes.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Abril de 2013.)
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