As regas eram uma actividade usual em sucessivos verões. A água podia ser proveniente de regatos ou de poços. A água dos regatos era levada para os terrenos por regos que, ao longo destes, era repartida por tornadoiros que se abriam ou fechavam. Tratando-se de água pública, teria de haver acordo entre os vizinhos para a sua utilização. Isso nem sempre era respeitado, chegando a originar mortes violentas.

A água de poços, privada, era tirada por cambos, que noutras regiões se chamavam picotas ou cegonhas, à força braçal, ou por noras puxadas por um animal que andava à roda, trazendo os copos cheios de água que a depositavam num tabuleiro, e deste era encaminhada para o terreno.
Por ser um trabalho que executei descalço nos regos ou batendo à burra que fazia andar a nora, ficaram-me memórias na lembrança, que vou exprimir em verso.
As Regas
De noite ou até de dia
Em fundos regos cavados
Essa pouca água corria.
O sacho entra em seus tratados.
Corre, corre, boa água.
Por que deixou de correr?
Invejoso ma tirou.
Quem seria o malvado
Que fez tamanho pecado
E sem água me deixou?
Tenho de ir já ao regato
Ver para onde ela s’esvai
E encaminhá-la de novo
Para regar meu renovo
No meu terreno pacato.
Já ela corre outra vez
Por regos e tornadoiros.
Encharca bem essa terra,
Água com tantos agoiros,
Proveniente da serra.
Ver o renovo crescer
Depois de tanto regado
É mesmo um grande prazer.
Ele está muito mimado.
Sol, protege-mo do gado.
Batatas já bem nascidas,
Couves já mui repolhudas,
Tarrábias já tão crescidas,
Com o milho a sair,
Saudai já o bom porvir.
Constipado eu fiquei
De na água chapinhar.
Cuidados mores terei
Na próxima em que regar.
Corre, corre, boa água.
Gritos ouvi mesmo ao lado.
Alguém clamou por auxílio
Porque um qualquer malvado
A água a mal lhe cortou
E ainda o ameaçou.
A deitar o poço andei,
Bem cedo me levantei.
Cambos com força puxei,
Com água tudo reguei,
Nem um minuto eu parei.
Coitada da minha burra
Que aquela nora puxava.
Tanto peso desses copos
Não sei como ela aguentava.
E ainda a dar-lhe uma surra!
Perdoa-me, onde estiveres,
Meus erros de palmatória.
Far-te-ei, se tu quiseres,
Uma campa em tua memória,
Pois fizeste água correr.
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