O artigo que escrevi há algumas semanas sobre os holandeses, no qual afirmava que só viam dólares nos olhos, pode ser que tenham reflectido um pouco e se tenham envergonhado com esta classificação é que, por isso, tenham posto a mão na consciência na Cimeira de Bruxelas do passado dia 19 para constatarem e verem nos olhos os 6 mil mortos, seus nacionais, e o sofrimento que este vírus provocou em todos os países, em vez de olharem constantemente para a carteira.

Aquando de um debate no parlamento holandês em ordem a preparar a cimeira europeia, o Primeiro Ministro Mark Rute e os partidos da maioria parece terem olhado para o que se passa na Europa e não apenas para o seu próprio umbigo.
Reunidos em videoconferência, os dirigentes da EU tentaram avançar sobre dois assuntos cruciais aos olhos dos holandeses e dos chamados países forretas onde estão compreendidos a Áustria, Dinamarca, e Suécia. Segundo eles, o fundo de desenvolvimento de 750 biliões é demasiado generoso porque comporta dois terços de subsídios cedidos aos países mais atingidos pela crise pela pandemia é um terço de empréstimos. A Holanda pensa que esta repartição é demasiado generosa.
O segundo assunto é o projecto de orçamento 2021-2027 que foi discutido em Fevereiro, após trinta horas de discussão. Claro que o Primeiro Ministro holandês não se empenhou nada na discussão sobre a subida do 1% do rendimento nacional e a prova foi tê-lo visto com um livro na mão que iria terminar quando a discussão acabasse. Que falta de educação!
Quando Ângela Merkel e Emmanuel Macron apresentaram o plano de desenvolvimento no valor de 500 biliões de Euros e quando se ouviu a voz do antigo ministro das finanças alemão, o papa da austeridade, afirmar que a solidariedade para com os países do Sul constitui um interesse para a Alemanha, o clima modificou-se, a ponto de uma deputada do Partido Popular para a Liberdade e a Democracia ter afirmado na semana passada que a nossa falta de solidariedade não irá ao encontro da Europa do Sul, nem da União Europeia, nem do nosso próprio país. Outro deputado democrata-cristão gostaria que a Holanda fizesse um esforço excepcional e considerava a posição holandesa insustentável relativamente ao orçamento da EU.
Todos já perceberam que seria deveras temerário causar a ruína financeira da Itália ou da Espanha.
Evidentemente, que há ainda muita pedra a partir e que Charles Michel, o Presidente do Conselho ainda tem de fazer apelo a muita imaginação para contentar a todos, porque ele sabe que em matéria de política europeia nem tudo é preto, nem tudo é branco, nem tudo é definitivo. Mas a crise do Coronavírus fez avançar a Europa que alguns já a consideravam moribunda. A Comissão, ao propor um plano de desenvolvimento de 750 biliões de Euros, financiado por empréstimos europeus, alguns consideraram este um momento histórico. Alguns já o consideraram hamiltoniano, comparando-o à decisão tomada no século XVIII pelo jovem governador federal americano ao assumir as dívidas dos estados federais arruinados pela guerra da independência.
É evidente que há divergências, mas ninguém pôs em causa o plano de desenvolvimento. Os mercados financeiros e a bolsa de valores também não ficaram nervosos, o que leva crer que tarde ou cedo haverá acordo, embora não se saiba em que condições para cada um dos Estados.
Felizmente, ninguém pôs em causa a arquitectura do plano, nem o princípio do empréstimo europeu, nem o facto de os países mais afectados e mais frágeis devam ser os primeiros a ser beneficiados, nem a necessidade de usar destes montantes colossais para fortalecer a economia, para favorecer a transição ecológica e numérica para o mundo de amanhã.
Segundo um velho ditado, o tempo é dinheiro. Por isso, a EU deve andar depressa porque quanto mais se espera, mais caro é salvar as economias e mais decepção é para os cidadãos europeus.
Todos pensamos estar perante um assunto muito importante e os Estados membros têm de ter consciência que devem evitar as negociações mesquinhas, a fim de não perderem a ocasião de efectuar, juntos, um salutar passo em frente.
:: ::
«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
Leave a Reply