Com diferente sentido, as compras à porta de casa, hoje tão usuais, em Águas Belas e noutras aldeias, vêm de um tempo, muito lá atrás, de trocas diretas e de um tempo, menos lá atrás, de negociantes, de cá e de fora, que compravam tudo o que se cultivava e criava.

Trocas diretas – Em carroças, vinham louceiros que trocavam, pratos e malgas, de barro fino, vidrado, e barranhas, barranhões, bilhas e cântaros, de barro grosso, por produtos agrícolas. Cada coisa tinha um equivalente que variava conforme o valor do produto que se trocava. Por exemplo, podia-se comprar uma barranha, por uma malga de feijão, mas, se a troca fosse a milho, tinham de ser duas e, se fosse a pão, mais ainda.
Também, vinham carroças de laranjas que trocavam por igual quantidade de batatas. Como cá não as havia, pode imaginar-se a alegria dos miúdos, quando as mães trocavam batatas por laranjas!
Vender a negociantes – Os que compravam produtos das colheitas, andavam pelas portas: «Tem batatas para vender? Olhe que venho cá apanhá-las, tal dia, a este preço.» O mesmo com o milho, o feijão e as castanhas. Quem tinha para vender, se via que o preço não era mau, aproveitava.
Também, para todos os animais, havia muitos negociantes. Uns compravam vacas e bezerros, outros burros (eram os ciganos que dominavam este negócio, fosse às portas, fosse nos mercados), outros cabras e cabritos, outros ovelhas e borregos, outros porcos e leitões e outros coelhos, galinhas e frangos. Havia ainda outras vendas, de ovos, peles, ferro velho…
Os negociantes eram uma espécie de intermediários, compravam para vender a outros ou no mercado. As pessoas sabiam bem que vender à porta, nem sempre era vender pelo melhor preço, mas levar, ao mercado do Sabugal (a cerca de 10 kms), um bezerro ou uma vaca não era o mesmo que levar um taleigo de feijão ou milho.
Talvez, a palavra negócio me seja incómoda desde essa altura; havia concertação de preços e técnicas de venda que levavam quem vendia a ficar, sempre, com a sensação de ter feito um bom negócio.
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«A minha terra é Águas Belas», crónica de Maria Rosa Afonso
Não posso confirmar. O mérito da escolha da fotografia é de José Carlos Lages. É muito bonita e já documento histórico.
Parabéns pelo quadro de vendas apresentado
A sua referência ao negócio de burros leva-a a um feliz aparte, o de que “eram os ciganos que dominavam este negócio”.
Dominavam e de maneira!
Vendiam burros a quem deles precisasse e faziam o favor de aceitar, a custo zero, os burros velhos, que já pouco ou nada interessassem aos seus donos.
Foi o que se passou, ao que constava, com o Ti Zé Cavaca, do Ozendo, que lhes deu uma burra já bastante velha, sem fôlego e estofo para as suas necessidades.
Ao dar a burra, pediu para lhe arranjarem uma outra mais nova, que, naturalmente, lhes compraria.
Passados dias voltaram com a pretendida burra mais nova, que foi negociada, entregue e recebido o preço.
Houve um dia que levar as vacas e a burra para um lameiro, fora da povoação e, nestas deslocações, os burros ou burras costumam podtar-se e caminhar à frente dos bovinos, animais mais pesados e vagarosos.
Ao chegar ao sítio dos lameiros, para espanto do Ti Zé Cavaca, a burra entra para o seu lameiro, seguida das vacas.
Só então e aí ficou a saber que a burra nova comprada só podia ser a burra velha que havia dado aos ciganos.
Doutro modo, não conheceria o lameiro do dono.
Um arranjo do pêlo, do rabo, dos dentes e uns tratamentos de choque, para reagir mais facilmente, haviam feito um “milagre” na burra.
Parabéns e obrigado pela oportunidade proporcionada para trazer este episódio.
Muito obrigada pelo comentário e pela «história» da venda e revenda dessa burra que conta de forma tão deliciosa e humorada. Estava a ler e a ver o que se ia passar. Imagino até o destino seguinte do pobre animal… Era assim, muitas vezes.
Maria Rosa Afonso :
A minha prima, para ser mais concreto a da minha mulher, vai gostar de ver essa foto… Penso que seja a Fernanda.
António Emídio