O meu sol nasce na Serra, em frente à minha janela e revisita-me, em casa, mesmo antes de altear. Se o dia for anegralhado prefere o recesso. Se o dia for soalheiro vai crescendo, devagarinho, até encher todos os lugares.

É na primavera que o sol é mais igual…
Reconhecendo-lhe cordialidade na visitação, acho-o, apesar disso, pouco cumpridor e um tanto gaudério. Não é, deveras, atilado nem, incondicionalmente, pontual. Só aparece quando quer. Não nasce para todos ao mesmo tempo. Não corta o céu pelo meio como seria seu dever. Não brilha nem aquece tal-qualmente o mundo inteiro. Para uns beneficiarem de enormes luminosidades, limita outros a excessivas opacidades. Não é, portanto, absolutamente igualitário.
No inverno, aparece em postura de atraso, reluz pouco e cedo se apaga na prematuridade das noites frias. Não resiste à espessura das chuvas nem à obscuridade dos vendavais. Rende-se aos breus e permite o escurecimento dos gelos e dos nevões.
Quando se retira das invernias segue alquebrado em busca da primavera. Logo que a reintegra enche-se de ânimo e passa a amornar cada vez mais. Deixa de assistir, pálido, ao crescimento dos dias mas ainda convive com alguns períodos tristes e nublados.
Porém, passo a passo, vai ganhando pose de fanfarrão. Cada vez surge mais quente, menos oblíquo e mais triunfante. Aquece e colora mais as manhãs. Veste de verde os campos e uniformiza os galhos nus das árvores. Faz o renovo verdejante. Convida os pássaros à feitura dos seus ninhos e anima-os a hinos viris sob os céus de azul. E, sim, é na primavera que o sol é mais igual.
Durante a infância sonhei, muitas vezes, amarrar o sol à primavera. Havendo ele abandonado os dias curtos e tiritantes não os desejaria eu ardentes e descomunais. Uns por muito frios, outros por muito quentes, uns e outros me limitavam a brincadeira.
Passando pelo verão, o sol supera-se em calores. É quando ele aclara mais mas também seca e amarela tudo e volta a desigualar as noites dos dias.
Abranda e empalidece com o outono deixando-se domar pelo crescimento das escuridões. Sensibiliza-se com o humedecer do tempo mas depois inverna e há muitos dias em que nem sequer aparece.
O sol deveria, pois, ser mais regrado e ver na equidade uma virtude. Precisa de ganhar emenda, abdicar dos seus caprichos e tratar o mundo por igual.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
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