Nesta pandemia refugiei-me na escrita. Acalentou-me que nem dei pelo tempo passar. E decidi nada escrever sobre o Covid-19. Era uma alternativa aos jornais clássicos. Depois alguns autores aderiram ao projecto, principalmente colegas e familiares. A seguir veio a aposta na imagem. O grafismo foi melhorando e a evolução do n.º 1 até ao n.º 29 foi notória em todos os aspectos.

Foram tantos que foi impossível dar voz a todos e todas…
A meio entraram os escritores angolanos. Sem saber como publicar um livro, o que é uma gráfica, uma editora, inumeros jovens viram na «Caserna» as portas da sua realização. Não deixa de ser estranho que algo que confina, isola, acaba por ser a porta de realização para muitos e muitas.
Foram tantos que foi impossível dar voz a todos e todas. E talvez tivesse sido esta a missão do «Jornal da Caserna». Entreter mas dar voz a quem não tem!
Tudo começou com os tempos da Escola. Os jornais «piratas» que circulavam ainda no tempo da ditadura, ou Estado Novo, onde a liberdade não se cruzava com a censura. Basicamente os alvos eram os professores mais «mauzinhos» ou as giraças que não nos ligavam.
Durante umas eleições no Instituto Superior Técnico um grupo de amigos fez uma Lista com o objectivo de «abanar o sistema». A Lista Z diariamente publicava artigos da melhor Caserna, que naquele caso era a Biblioteca do Pavilhão Central.
Mas a Caserna foi usada pelos militares confinados em teatros de operações, onde se entretinham a escrever artigos nos quartéis enquanto o inimigo não incomodava.
O «Jornal» fazia parte do dia-a-dia. Um café e um jornal, puxando um cigarro para compor o estilo da classe média que prevaleceu até meados dos anos 80. E o jornal era algo que nos alegrava ou até irritava se o jornalista fosse conotado com uma facção que nos desagradasse.
Por tudo isto renasceu o «Jornal da Caserna». Sem Covid-19 e que levasse o leitor à criação do autor. Foi uma semente que cresceu, não em vendas porque era inteiramente grátis, mas que a palavra da língua portuguesa fosse o mais longe possível. E consegui-se tendo-se entrevistado jovens escritores e poetas angolanos e angolanas, e dedicado uma edição inteiramente à obra do Bruno Batalha um jovem talento que mereceu muitos aplausos deste cantinho da Europa.
Mas outros não podem ficar esquecidos. A amizade bem lusitana deixa sempre estas suas marcas quando não há interesses materiais a não ser a pura amizade. Parabéns ao João Capalandana, à Isabel Sango, ao Ivan L’Mota, o Justino Matias Nanga, o Ebrahim Sambo, o El Paulo Lurão, o António Augusto e o Francisco Dias Lincoln, que lutam e sonham por ter um livro. A Patrícia, tendo ficado surda jovem, conseguiu tirar o curso de Arquitectura e adora escrever conseguindo no seu silêncio ideias surpeendentes que a ainda levam aos seus traumas.
Foi gratificante sentir que a língua morta do português saturado de aculturação europeia, renasce noutros lados como num mundo existisse um deserto e um campo verdejante.
Talvez seja mesmo o mais gratificante de todo este projecto. Mas tendo chegado ao n.º 29, talvez, quem saiba, venham mais. Basta enviarem artigos para: caserna.news.alcada@gmail.com
Obrigado a todos e todas pelo carinho manifestado.
E obrigado ao «Capeia Arraiana» por abrir portas à escrita em liberdade permitindo que estes jovens desconhecidos fiquem lembrados para a memória dos tempos, assim como tantos escritores que no anonimato abrilhataram a qualidade destes «Jornais da Caserna».
Dundo (Lunda Norte), 10 de Maio de 2020
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«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada
Muito obrigada á toda equipe do jornal Caserna em especial ao António José Alçada, pessoa muito simples, verdadeiro, visão de águia tal como o apelidei (porque ele encherga além dos limites e obstáculos que a vida ou outros colam), pela experiência, profissionalismo e pela amizade.🙏🙏