São tempos nunca vistos. Estamos todos à defesa! Estamos todos com medo! Assemelham-se, em tudo, a uma guerra mundial. Uma batalha dos tempos modernos mais virtual que física. O barulho dos tiros, mísseis e bombardeamentos inimigos foram substituídos por inteligentes micro-organismos silenciosos e invisíveis conhecidos como o novo CoronaVírus (bactérias Covid-19) que «aproveitam» as relações de amizade e sociais para lançarem os seus ataques. Os bunkers, túneis do metro e abrigos das guerras foram substituídos pelas nossas casas onde estamos em segurança confinados em quarentena. Foi decretado o Estado de Emergência. As ruas ficaram vazias, a poluição mundial baixou e preço do petróleo também. Várias perguntas continuam sem resposta. Como vai evoluir a pandemia? Como vai afectar as nossas vidas? Como vai alterar o futuro da Humanidade? Para já, a viver um tempo inesperado e incerto, apenas consigo resumir o passado recente e o presente. «Prognósticos» sobre o futuro só daqui a uns tempos…
Evolução da Pandemia durante o mês de Março de 2020

Chineses obedeceram à ordem do Governo chinês para ficarem em casa
Em Janeiro olhava incrédulo para as ruas vazias da cidade de Wuhan na província chinesa de Hubei, com mais de 60 milhões de pessoas retidas em casa e dei comigo a pensar que esse cenário só seria possível num regime ditatorial. O governo chinês dava a entender que estava tudo sob controlo e até tinham feito um hospital (com contentores) para os contaminados em apenas… 10 dias. Até aqui apenas tinha ouvido falar desta província no centro da China por ser um destino para cruzeiros no imenso rio Yangtzé onde foi construída a maior hidroeléctrica do Mundo, a «Barragem Três Gargantas» (Three Gorges Dam) e porque a companhia estatal que a administra é a «dona e senhora» da nossa EDP.
Sabemos agora, que as autoridades chinesas esconderam informação, manipularam números e fizeram desaparecer médicos que deram o alerta. Sabemos agora que o momento foi aproveitado para implementar sinistras medidas orwellianas de controlo dos cidadãos. A tecnologia do reconhecimento facial muito desenvolvida pelos chineses permite saber quem são os cidadãos que andam na rua. Os drones policiais com visibilidade nocturna e altifalantes vigiam 24 horas a circulação de veículos e há uma aplicação para telemóvel que permite saber a que distância (até 500 metros) está um doente contaminado.
As novas tecnologias quando mal usadas por um estado (democrata ou totalitário) destroem as bases da democracia e da protecção de dados pessoais. Nada de novo a Oriente até porque há muito que os chineses bloquearam as aplicações ocidentais (americanas) e têm aplicações similares para os seus telemóveis. O Facebook é o Weibo, o Youtube é o Youku e o Whatsapp é o Wechat.
Depois da China ouvimos falar do Irão, da Coreia do Sul, de Singapura e muito rapidamente de países da Europa e em especial de Itália, Espanha e Alemanha. No dia 13 de Março a OMS alertava que já havia mais doentes com o novo CoronaVírus na Europa do que no resto do mundo. Mas nem todos os países estavam a actuar da mesma maneira. O Reino Unido (de Boris Johnson), o Brasil (de Jair Bolsonaro) e os Estados Unidos da América (de Donald Trump) ignoraram a rapidez e gravidade de propagação do vírus. Infelizmente é sério porque as declarações dos três governantes fazem lembrar conversa de estarolas. Nesta última semana de Março, contudo, começaram a alterar os discursos perante a crua realidade dos números especialmente em Nova Iorque. Por Londres, ficámos a saber que o Primeiro Ministro, Boris Johnson, acusou positivo ao vírus Covid-19, o que levou a que a sua namorada, grávida, abandonasse o número 11 Downing Street. Infelizmente a ganância económica sobrepôs-se à inteligência e lucidez humana que são exigidas aos dirigentes máximos dos países.

Declaração de pandemia pela OMS
Após muitos dias e semanas a adiar e a reconhecer as evidências Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) referiu, em conferência de Imprensa, que a epidemia de Covid-19 atingiu o nível de uma pandemia. Nesse dia estavam confirmados mais de 118 mil casos de infecção em 114 países e um total de 4291 mortos.
No mesmo dia a quarentena imposta pelo governo italiano no Norte de Itália foi alargada a todo o país.
Em Portugal o Governo leu os sinais de alarme que começavam a soar e mandou suspender todos os voos com destino ou origem nas zonas mais infectadas de Itália. Recomendou, igualmente, a anulação de eventos em espaços abertos com mais de cinco mil pessoas. Ficaram suspensas as visitas em hospitais, lares e estabelecimentos prisionais e encerrados alguns estabelecimentos de ensino, ginásios, bibliotecas, piscinas e cinemas.
No dia 26 de Março, Portugal passou para a terceira e última fase do plano de combate à pandemia – a fase de mitigação -, entrando na fase mais crítica. O Plano Nacional de Emergência da Protecção Civil foi igualmente activado.
Nesta fase, os hospitais e os centros de saúde passam a dispor de áreas dedicadas em exclusivo ao Covid-19. Os doentes ligeiros ficam em casa, os moderados vão aos centros de saúde, os graves, mas não críticos, são encaminhados para os hospitais e os críticos são internados. Os testes de despistagem vão ser feitos a pessoas com suspeita de infecção que apresentem sintomas como febre, tosse persistente ou tosse crónica agravada e dificuldade respiratória.
«Estamos a aumentar significativamente a capacidade de testes!»
O Governo garante que a capacidade de fazer testes está a ser aumentada, mas há quem diga que «não é um discurso de verdade» e que apenas pretende transmitir normalidade e tranquilidade porque Portugal não tem testes em quantidade suficiente para as solicitações.
Entretanto começaram a chegar aviões da… China (?!?) com encomendas (leiloadas por quem dava mais) para o Serviço de Saúde nacional. Não sei porquê mas faz-me lembrar aqueles jogos em que voltamos à casa de partida.

Jornalismo e jornais desportivos
A pandemia e o recolhimento obrigatório obrigaram à adaptação de métodos de trabalho em muitas empresas.
Uma das definições de jornalismo diz-nos que o repórter tem de ver com os seu olhos e transmitir fielmente aos seus leitores, ouvintes ou espectadores os factos dos acontecimentos sem tentar adjectivá-los. O mesmo se pode dizer das entrevistas que para terem esse nome devem ser feitas «olhos nos olhos». Contudo desde o início deste século que tem vindo a ser feito um claro desenvestimento nas saídas das redacções e assistimos, muitas vezes, à publicação de notícias sem contraditório e baseadas naquilo que é «picado» nas redes sociais ou em outros órgãos pouco credíveis. A investigação jornalística quase acabou e muitas das reportagens de rua têm tendência a ser sensacionalistas porque os editores e chefes de redacção sabem que têm audiência para as mesmas.
As redacções e os escritórios das grandes empresas migraram nos últimos anos para «open spaces», ou seja, em espaço aberto como símbolo de modernidade. Bancadas em ilha, partilhadas, onde por vezes é preciso sussurrar ou vir para o corredor fazer aquele telefonema que não queremos que possa ser escutado pelo nosso colega do lado. Mas há muito que existe «telejornalismo» na Comunicação Social. A classe apelidou de «freelancers» os jornalistas que não tinham lugar nas redacções e «vendiam» o seu trabalho quando tinham a sorte de estar no lugar certo à hora certa. Esta contradição do que é o jornalismo foi adocicada dando-lhe um sub-título de modernidade permitida pelas novas tecnologias.
As novas tecnologias com a informação à distância de um clique devem ser utilizadas mas o jornalismo faz-se estando nos locais, debatendo ideias nas redacções, discutindo a evolução dos temas com os outros colegas e chefias. O bom jornalismo é feito em equipa mas em tempos saudáveis que não o caso dos dias que vivemos. Mas o que acontecerá se este defeito se tornar regra?
Curiosamente, muitos jornalistas reclamam pelo teletrabalho e até há publicações que mostram a sua modernidade anunciando, com orgulho, que foram feitas de casa. Até à chegada da Covid-19, as redações em espaço aberto eram a cereja no topo do bolo, porque se entendia a importância do trabalho colegial.
Percebe-se que se reduzam os contactos, percebe-se que as redações se desdobrem em turnos, é bom aproveitar as possibilidades que a tecnologia oferece, mas nada de ilusões: o jornalismo faz-se, estando. Estando nos locais, indo às redações planear, debater ideias, discutir o andamento dos trabalhos, discutir com os outros jornalistas o que se conseguiu e o que ainda se pode fazer, como organizar o texto. Para evitar excessos ou défices de informação – e erros. O bom jornalismo faz-se em equipa e é de bom jornalismo que precisamos.
Mas se isto já falta em tempos saudáveis, como esperar que se faça agora? Se este vírus levar a que haja cada vez mais telejornalismo, haverá cada vez menos jornalismo. Se o teletrabalho é possível em dias de tempestade, então em bonança será a regra.
«Que acontecerá quando toda a gente estiver a trabalhar de casa e a comunicar à distância? Em tempos normais, governos, administrações e autoridades da Educação nunca aceitariam fazer tais experiências. Mas estes não são tempos normais.»
(Yuval Harari, Financial Times.)
O jornalismo deve estar no terreno como esteve nas guerras e outras calamidades. Os enviados-especiais não podem existir só nos eventos bonitos como eleições nacionais, Europeus de Futebol ou Jogos Olímpicos. Nem só de médicos, de enfermeiros, de bombeiros, de polícias, de caixas de supermercados ou motoristas de autocarros, precisamos neste momento.
Mas qual é a dura realidade nestes tempos únicos? O Governo destacou a importância do acesso a informação credível e à manutenção de locais de venda de publicações permitindo que os pontos de venda vulgarmente chamados quiosques ou bancas de jornais ficassem abertos mas a verdade é que a maioria estão fechados dificultando a oferta da informação em papel. Assim só nos restam a rádio, a televisão e as… redes sociais. Será o fim da comunicação em papel como a conhecemos?
«O jornalismo continua a ser um bem essencial mais ainda em tempo de crise. Precisamos que os quiosques continuem abertos e que as pessoas comprem informação fidedigna e verificada por profissionais capacitados para a fornecer. Neste tempo de incerteza, os jornalistas estão, no cumprimento do seu dever de informar, a correr riscos. Saibam os cidadãos mostrar que vale a pena, comprando e consumindo a informação que eles produzem.»
(Sofia Branco, presidente do Sindicato dos Jornalistas.)
Diariamente tínhamos acesso em todos os canais televisivos a intensos debates sobre futebol. Diariamente os três jornais desportivos portugueses actualizavam as suas capas com as novidades dos três grandes. Pararam os campeonatos, não vamos ter final da Liga Europa nem da Liga dos Campeões, o Euro foi adiado e Jogos Olímpicos também. Nas televisões as grelhas mudaram todas para o único tema da actualidade. Por isso aqui fica uma palavra de apoio a todos os jornalistas desportivos dos jornais em papel. Não está nada fácil fazer as edições diárias nos jornais desportivos.
Será que este CoronaVírus vai ser aproveitado para justificar o fim dos diários desportivos como os conhecemos agora?

Astérix, Obélix e… Uderzo
Passou quase despercebido nestes tempos que vivemos. O céu caiu e Albert Uderzo morreu no passado 24 de março na sequência de um ataque cardíaco. Aos 92 anos sai de cena o co-autor (René Goscinny faleceu em 1977) da banda desenhada da aldeia de irredutíveis gauleses onde se destacam há mais de seis décadas os heróis Astérix e Obélix. O director da «Pilote» pediu-lhes um herói que fizesse a diferença entre os desenho americanos da Disney e o sucesso europeu do Tintin. Desafio enorme como é fácil de perceber. Desafio superado como todos sabemos.
Um dia perguntaram-me num teste de Prust quem eram os meus heróis. Sem pensar respondi: «Os meus pais», mas depois tive de acrescentar «e o Astérix no imaginário!».
Os livros de Astérix acompanham-me desde sempre. Antes de saber ler limitava-me a ver os desenhos. Foi sempre um mundo fascinante e mágico. Um dia percebi que uma das técnicas dos autores consistia em deixar a história em suspenso no último quadradinho da página ímpar qual poema com rimas perfeitas. Essa técnica obrigava-me a estar ainda mais atento a toda a leitura.
O «espírito independente» e a ideia do fraco (com uma pequena ajuda do druída) que derrota os fortes sempre foi para mim muito apelativa na vida real. Embora com prejuízos pessoais e profissionais nunca consegui aceitar nem lidar com alguns incompetentes a quem são dados poderes e que são fortes com os fracos e mansos com os fortes. Nem com esses nem com os lambe-botas, mas isso é outra estória.

Em 2017 foi publicada mais uma história dos irredutíveis gauleses: «Astérix e a Transitálica». Tudo começa porque no «parlamento romano o vereador responsável pelas estradas do império está a dormir e é confrontado pela oposição pelo mau estado de conservação das mesmas». Na resposta o vereador afirma que são as melhores do mundo até porque todas vão dar a Roma e assume a organização de uma corrida de quadrigas com representantes de todas as terras de Júlio César. Claro que os irredutíveis gauleses resolvem participar. A corrida que começa no Norte de Itália em Milão e termina em Roma tem muitos participantes. O mais curioso é que o supercondutor de quadrigas em representação do imperador Júlio César dá pelo nome, nem mais nem menos, de CoronaVírus…
Na noite de 24 de Março de 2020 o bardo Assurancetourix não quis cantar e não foi necessário amarrá-lo no alto de uma árvore com um pano na boca. Na noite de 24 de Março de 2020 não houve festa na aldeia nem se comeram javalis. Mesmo que tenha terminado mais um aventura.
Obrigadix Uderzo e Goscinny!
#EuFicoEmCasa
«Mantenhamos as distâncias hoje para nos podermos abraçar mais forte amanhã.»
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«A Cidade e as Terras», opinião de José Carlos Lages
(artigo escrito de acordo com a antiga ortografia.)
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