Há doenças que acompanharam o homem quase desde a sua origem: a tuberculose, a varíola, a cólera, o tifo, a sífilis, a peste, as diferentes formas de gripe, etc. Para muitas delas o ser humano foi ganhando imunidade, para outras, a partir do século XVIII, foi criando vacinas (ver, por exemplo, o artigo «A vaca e a vacina», que publiquei aqui no Capeia Arraiana). É, também, muito esclarecedor o livro «Armas, Germes e Aço» (ed. Temas e Debates, 2015) do cientista americano Jared Diamond que nos conta a história da Humanidade nos últimos 13 mil anos sob a perspectiva da biologia.

Entre os anos de 1500 e 1650 os indígenas da América Central passaram de 26 milhões para 1,6 milhões…
Durante muitos séculos a população do planeta manteve-se em limites muito modestos. Basta lembrar que os primeiros mil milhões de habitantes apenas foram atingidos em 1800 e actualmente somos mais de sete mil setecentos milhões (ver contador em tempo real no final da crónica). A população mundial era frequentemente abalada por fomes, guerras e doenças que dizimavam milhões de pessoas e a recuperação demorava décadas. Os cristãos rezavam um pequena oração que ainda hoje temos no ouvido: «Da fome, da peste e da guerra livrai-nos Senhor.»
Um dos primeiros registos históricos de pandemias é o da chamada Peste Antonina, ocorrida no tempo do imperador romano Antonino cerca de 166 d.C., e que teria vitimado, durante os 15 anos que durou, cerca de 5 milhões de pessoas em todo o Império. Hoje existem dúvidas sobre esta «peste» que, atendendo aos sintomas, teria mais provavelmente sido uma «Pandemia de varíola». Outra grande pandemia, responsável pela morte de quase metade da população do Império Bizantino, foi a «Peste de Justiniano» (também designada por «Praga de Justiniano»), que grassou entre 541 e 544.

Falamos de peste mas deveríamos antes falar de pestes: houve muitas variantes e, por vezes, eram outras doenças infecciosas desconhecidas na época às quais se chamava genericamente peste. Mas, de todas as epidemias, a mais grave e dramática foi a «Peste negra», ou «Peste bubónica», originária da Ásia e transportada para a Europa por embarcações comerciais italianas.
O bacilo da «Peste Negra» (yersinia pestis) apenas viria a ser identificado em 1894 pelo bacteriologista francês de origem suíça Alexander Yersin. O yersinia pestis era transmitido aos humanos pelas mordeduras das pulgas do rato negro (mus rattus) que viajava nos navios e passava facilmente para terra através dos cabos de amarração. Depois, a propagação efectuava-se pela transmissão directa entre as populações.
A peste manifestava-se através de infecções pulmonares ou por inchaços nas virilhas e nas axilas (os bubões). Era acompanhada de febres altíssimas e os bubões ganhavam frequentemente uma cor negra, que deu o nome a esta pandemia.

Em 1343, a «Peste negra» chegou à Crimeia e depois foi-se espalhando progressivamente por todo o continente europeu. No Outono de 1348 atingiu Portugal e, em 1350, chegou aos países nórdicos. Calcula-se que esta terrível pandemia, considerada a mais letal de todos os tempos, tenha vitimado cerca de um terço da população europeia: de 73 milhões de habitantes baixou para cerca de 50 milhões. Foi a maior calamidade demográfica jamais vivida pelos europeus. Apenas 300 anos depois, no século XVII, a população da Europa voltaria a atingir os números anteriores à «Peste Negra».

Outra pandemia altamente mortífera, a «Gripe Espanhola», também designada «Gripe Pneumónica», iniciada em 1918 e que matou mais gente do que a Grande Guerra de 1914-18, não foi proporcionalmente tão grave. E até mesmo as duas guerras mundiais somadas, com os seus quase 100 milhões de mortos, não vitimaram um terço da população europeia.
Foram muito raras as regiões da Europa que escaparam à «Peste Negra». Algumas cidades, como por exemplo Milão ou Varsóvia, fecharam-se dentro das suas muralhas e evitaram assim o contágio.
A peste iria ressurgir aqui e além nos séculos seguintes. A última grande epidemia de peste aconteceu na Rússia no século XVIII mas houve episódios de menor dimensão um pouco por toda a Europa. Em Portugal verificou-se um surto de «Peste Bubónica» no Porto, em 1899, estudado por Ricardo Jorge e Câmara Pestana. Este último foi contaminado durante uma autópsia e acabaria por falecer vítima desta doença.
As Américas, até 1492, estiveram longe destas calamidades. Havia doenças, claro, mas a maior parte das que afligiam os europeus não existiam entre a população nativa até os descobridores as terem levado com eles.
Permitam os leitores que eu me cite a mim próprio, a partir do texto que referi acima: «A varíola não existia na América pré-colombiana. Porém, quando os europeus aí chegaram, levaram consigo não apenas a varíola como outras doenças contagiosas (o tifo, a peste bubónica, a febre amarela, a tosse convulsa, etc.), o que provocou uma mortandade apocalíptica entre os indígenas. Também uma doença tão vulgar na Europa como a gripe comum, desconhecida na América, provocou milhões de mortes entre os ameríndios. Calcula-se que as epidemias, as conquistas, a escravização e os trabalhos forçados tenham contribuído para fazer baixar a população indígena da América Central de cerca de 26 milhões para 1,6 milhões, entre 1500 e 1650. Em contrapartida, também os colonizadores transportaram para a Europa alguns “presentes” americanos, como uma variante da sífilis altamente mortífera, que alguns historiadores classificam como a “vingança dos vencidos”. Quando Colombo regressou da sua viagem de 1492, os marinheiros que tinham sido contaminados com a sífilis americana nas relações sexuais com as mulheres índias disseminaram rapidamente essa doença nos portos mediterrânicos, sobretudo em Sevilha, Barcelona, Marselha e Génova, com consequências catastróficas.»
Como vimos, epidemias e pandemias (cuja distinção é sobretudo pela dimensão) sempre afligiram a Humanidade. A diferença em relação à actualidade é principalmente comunicacional – sabemos quase instantaneamente onde, quando e quanto. Sejamos optimistas: já sobrevivemos a muitos vírus e bactérias e também havemos de sobreviver ao «covid-19».
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«A vaca e a vacina» Ler… (Aqui.)
>> Contador da população mundial em tempo real… (Aqui.)
>> Contador mundial para o CoronaVírus (covid-19)… (Aqui.)
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«Na Raia da Memória», crónica de Adérito Tavares
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Dezembro de 2009.)
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