Antigamente o medo e a insegurança faziam parte do quotidiano das populações da região de Sortelha. Como a necessidade faz o engenho, inventaram um sistema de protecção das casas com recravas para colocação das trancas por detrás das portas e janelas.

É difícil dizer a partir de quando se começaram a usar as trancas…
As janelas tradicionais, em guilhotina, tinham um sistema de segurança que consistia na colocação de portas interiores, com os objetivos seguintes:
– Proteger a casa do calor no Verão e do frio no Inverno, fechando as portas das janelas com uma função semelhante aos das persianas na atualidade;
– Garantir alguma segurança, fechando as portas e colocando a tranca (pau colocado do lado interior das respetivas portas e que encaixava nas recravas visíveis nas imagens). Este tipo de janela, utilizando caixilhos em madeira, não permitia vidro duplo. As portas interiores, de certo modo, compensavam a fragilidade das estruturas. Eram geralmente de tábuas de castanheiro e com alguma grossura. Assim, perduraram durante décadas ou mesmo séculos.
– Nas ombreiras (ver imagem) são bem visíveis os restos de dobradiças que seguravam as portas da janela e as recravas para colocação da tranca (pau que atravessava a janela de um lado a outro na parte interior). O que resta da dobradiça mostra bem que estava preparada para resistir a alguma violência.

Para a porta principal da casa havia também a tranca, mas não porta interior. Algumas casas tinham um postigo, colocado do lado de fora da porta. Quando fechado e com a porta aberta permitia o arejamento e iluminação da casa e evitando a entrada de algum réptil.
É difícil dizer a partir de quando se começaram a usar as trancas. As pessoas pareciam não confiar nas fechaduras! Também não é de excluir a possibilidade de ser utilizada como armas de defesa. Depois de 1640 houve perturbações com incursões dos castelhanos nesta região, o mesmo aconteceu cerca de 1812 com a passagem das tropas napoleónicas.
Outra explicação está relacionada com o baixo nível civilizacional destas gentes. Os rapazes eram brutos! Uma das brincadeiras, que conheci na minha meninice, era irem às moitas recolher bugalhas que depois misturavam com cagalhões de burro e, como brincadeira carnavalesca que continuava na Primavera, surpreendiam as famílias mais vulneráveis, com particular incidência nas viúvas, lançando o presente para dentro de casa dizendo:
«É maio, é maio!
Cagalhões de burro apanhai-o!»
Casa roubada, trancas à porta. Aqui talvez fosse melhor dizer:
– Antes da casa roubada ou suja, trancas à porta!
Um sistema parecido era utilizado em portas de galinheiros ou das pocilgas colocando uma espécie de tranca na parte exterior.
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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