Em boa hora acedi ao convite da Associação Distrital dos Agricultores de Castelo Branco, para assistir, no Auditório da Zona Agrária do Fundão, a uma conferência sob o tema «Mitigação do Despovoamento dos Territórios Rurais, através da revitalização dos sistemas Agro‐Silvo‐Pastorais».
Há uns anos éramos agricultores da Cova da Beira, hoje somos agricultores à beira da cova…
Nasci no mundo rural em terras raianas, foi o meu primeiro sustento e dos meus familiares e mais tarde, por diversas razões, principalmente por falta de sustentabilidade, todos tivemos de o abandonar. Com a aposentação, voltei às pequenas actividades rurais, sem benefícios monetários, bem pelo contrário.
Encontrei‐me numa sala com meia centena de pequenos agricultores de diversas áreas, pastorícia, silvicultura, produtos agropecuárias e frutaria. Numa breve análise etária, constatei que mais de dois terços tinham mais de cinquenta anos; quanto a jovens agricultores, os dedos de uma mão contabilizavam os presentes.
Durante quase três horas foram abordados dez itens; cada um dos presentes apresentava as suas ideias, sugestões e possíveis soluções. Traço um pequeno resumo do que entendi ser o mais importante desta reunião.
Todos os problemas são muito actuais e os males que nos afetam são transversais. O primeiro tema referia‐se, obviamente, aos jovens que abandonam os territórios rurais. As respostas não se
fizeram esperar. Uns dizem, por exemplo, que os filhos de agricultores são uma espécie de cidadãos de segunda classe, não valorizados. Surgem, por outro lado, dificuldades nos acessos aos subsídios: «É mais fácil um cigano arranjar crédito para comprar casa do que um agricultor arranjar crédito para uma actividade agrícola.» As portas da banca estão há muito fechadas. Há imensas burocracias, fracos rendimentos, dificuldades na aquisição de terrenos rurais, más políticas de investimento na terra. Falta de incentivos fiscais, cobrança de portagens…
Quem são, apesar de tudo, os jovens que permanecem nestes territórios rurais? A maioria é constituída por filhos de agricultores, que receberam esta herança, que ainda têm amor pela agricultura que valorizam. São aventureiros… cultivam a heroicidade.
Mas são muito mais as razões, os motivos, que os levam a abandonar a sua agricultura, desde logo a falta de rentabilidade: «Como posso incentivar um filho a que se dedique ao campo, se vendo o leite e os borregos cada vez mais baratos?» Faltam estruturas de apoio, sistemas de comercialização e de regadio. Falta mão‐de‐obra ou é cara para as nossas possibilidades: «Mais vale estar a dormir e a beber uns canecos, porque ainda ganho dinheiro e não o retiro da minha reforma.» As grandes superfícies comerciais não recebem os produtos dos pequenos agricultores, que são em menor quantidade, mas de superior qualidade: «Não são feitos à base de hormonas e de caldas, como os dos cultivos intensivos.» «Abafam as cooperativas que também pagam mal e fora de horas.»
No Interior não existe uma central de compras; talvez olhassem mais para os produtos dos pequenos e médios agricultores. Há, por conseguinte, uma grande falta de escoamento dos nossos produtos do Interior para consumo estrangeiro.
Os jovens de hoje, mais vocacionados para tarefas digitais, para as novas tecnologias, vêem os investimentos aplicados na agricultura como muito difíceis e, nalguns casos, impossíveis.
Um jovem agricultor não tem tempo para férias nem subsídio, não tem fim‐de‐semana, não tem tempos livres; tem pela frente, isso sim, tarefas árduas e duras. Alguns têm ideias românticas sobre ser agricultor, pastor, produtor agro-alimentar… Mas, logo que surgem os encargos dos investimentos, só há solução: desistir, fechar…
Há uma degradação galopante dos serviços do Ministério da Agricultura, mais preocupado com a criação de serviços de inspecção do que de investigação e formação.
Em referência àqueles que ainda mantêm a atividade, a maioria é composta por «teimosos», com o espírito intacto da verdadeira ruralidade, do amor à terra, e um ou outro ainda consegue vender a produção. E uma grande maioria mantém‐se porque não precisa desta actividade para viver, tem algumas pequenas almofadas, «as reformas» para utilizar no campo.
Tem surgido o Agroturismo, que irá ajudar a manter uma mais‐valia para a agricultura com projectos turísticos alinhados aos rurais: «Este projeto é bonito, mas sem olival, sem cerejeiras em flor ou com fruto, sem vinha, sem pastorícia, silvicultura, sem uma biodiversidade de produtos, não tem futuro.»
Quanto às actividades a ter em conta, têm de ser as mais rentáveis, sem perder a identidade ambiental, talvez seja uma chave da solução.
Para finalizar, escolhi esta frase de um médio agricultor, ligado à fruticultura: «Há uns anos éramos agricultores da Cova da Beira, hoje somos agricultores à beira da cova.»
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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