A tradição já não é o que era, ouvimos a cada instante e a respeito de quase tudo. No que concerne às alterações climáticas, tem o ditado a maior actualidade e pertinência.

Longe vão os tempos em que eram bem distintas as quatro estações do ano, incluindo os invernos de rigor, com queda de neve, amiúde e quase sempre em abundância, pela Guarda e seu termo, Sabugal incluído.
Foi assim nos tempos da nossa meninice, que bem recordamos.
À parte o frio e os embaraços no trânsito, a neve constituía uma riqueza para os campos e uma visão magnífica para os olhos, de quem a via pela primeira vez e para os daqueles que já a conheciam, mas que continuavam sempre a admirar.
Ninguém a terá apreciado, valorizado, perpetuado como Augusto Gil (1873-1929) que a celebrizou na «Balada da Neve», que se lê, se confirma, se vive, se decora e se recorda.
Trata-se de um poeta, «cujas poesias, … se decoram sem esforço, porque falam à alma e ao coração, numa linguagem simples, enternecedora e correntia», para utilizar os próprios termos em que é feita a sua apresentação no livro «Leituras – Ensino Primário Elementar – IV Classe», a que se segue a Balada da Neve, que por ali aprendemos.
Um ou outro aluno da Quarta Classe do nosso tempo, que, perguntado, diz não se lembrar da Balada da Neve, basta recordar-lhe as três primeiras (e fulcrais) palavras «Batem leve, levemente» para que continue e a reproduza, se não na íntegra, pelo menos na sua grande parte, mas sempre com um misto de regozijo nos olhos e franco sorriso.
Mais uma palavra para a neve, que, mesmo caindo amiúde e em abundância, como acima referido, não parecia cair suficientemente para o autor da Balada, o que decorre dos seus versos «há quanto tempo a não via e que saudade Deus meu».
Quando já se viveu no local e em tempo de neve, anos a fio, já se viveu a Balada na pele e no espírito, mas, mesmo assim, está-se, porém, longe de poder afirmar que o tema já está esgotado.
Faltará, pelo menos, ir à guerra e aproveitar a riqueza do poema para, «mutatis mutandis», descrever um ataque ao quartel que nos abriga.
Decorridas umas quatro décadas sobre o falecimento do celebrado Augusto Gil, um outro Augusto ou um outro Gil aproveitou o quadro temático, a estrutura, a métrica, enfim, o cotejo de uma não menos gravosa situação, para descrever um ataque ao quartel, na Guiné.
Não sou o Gil ou Augusto, que pôs mãos à obra, poetou e divulgou o que adiante se apresentará.
Tampouco me é dado poder felicitar, como desejaria e considero merecido, o autor, por absoluto desconhecimento do mesmo.
Sei apenas que a Balada circulava pelos quartéis e aquartelamentos e que cada um poderia servir-se dela, substituindo o nome de «Balada de Beli», que poderá ter sido o original, pelo nome da localidade do seu Quartel, como Canjadude, Pirada, Mansoa, Canquelifá, Cabuca, Catió, para mencionar apenas alguns que ora vêm à mente.
Foi o que também fiz para apresentar um ataque, que efectivamente se verificou e senti na pele, ao Quartel de MADINA MANDINGA.

Temos, pois…
BALADA DE MADINA
Voam forte, fortemente,
Provocando alvoroço.
Metralha de outra gente,
Que pretende, certamente,
Estragar-nos o almoço.
Será, talvez, um tornado?
Mas ainda há pouco tempo
Nem as chapas do telhado,
Mesmo desconjuntado,
Se moviam com o vento.
Fui ver! as morteiradas caíam
Do azul cinzento do Céu.
Grandes, negras, explodiam,
Como elas se moviam
E que barulho, Deus meu!
Olho através da seteira,
Está tudo acinzentado.
Elas caem e que poeira
Levantam à nossa beira,
Felizmente mais ao lado.
Fico olhando esses sinais
Deixados pela tormenta
E noto, por entre os mais,
Buracos descomunais
Dos impactos do Oitenta*
Inesperado, cortante,
Eis que ribomba o canhão,
Que, apesar de estar distante,
Com a sua voz troante
Vem espalhar a confusão.
Com potente vozear,
Estas armas falam forte.
O canhão a metralhar,
Propõe-se a enviar
Sua mensagem de morte.
Que quem é terrorista
Sofra tormentos, … enfim!
Mas a estas tropas, Senhor,
Porque lhes dás tanta dor? ! …
Porque padecem assim?!
E uma infinita tristeza,
Porque no coração é inverno,
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai chumbo na natureza
Tornando Madina um inferno.
* Morteiro, calibre 80 mm
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«Ecos», crónica de Isidro Candeias
Recordar é viver! Outros tempos, contudo, sempre diferentes , mas de memória fácil para quem por eles passa ou passou! Bem- haja e grato por avivar tempos idos!