Quem diria que acabado de chegar sou surpreendido com um evento que, felizmente, parece ser transversal a todos e todas. No sonho de fazer esta missão, não podia ficar mais feliz de ver que as sociedades mais afastadas sentem a realidade de quem não quer ver. E o mais surpreendente é que foi a Diosese do Dundo, sede da Província de Lunda Norte, que patrocinou este encontro, com muito mais debate que nos «desenvolvidos» países europeus. Aqui todos e todas participam e nada os amedronta de dizer o que pensam.

Sala cheia na Escola Superior Politécnica de Lunda Norte para ouvir o Eng.º Pascoal Sangonga, angolano e ambientalista convicto, bem como estudioso dos assuntos dos recursos hídricos. O facto de Angola ser rico em recursos hídricos, não invalida que não se comece a pensar no futuro, porque apenas uma bacia hidrográfica está integralmente no seu território, Rio Kuanza, e os grandes rios são internacionais.
Por outro lado, o efeito das alterações climáticas já se faz sentir. O Sul que ciclicamente tinha secas, passaram a ter quase anualmente e o Centro e Norte, principalmente interior, já se sente menos chuva, como me disse um presbítero preocupado com estes assuntos.
A minha chegada ao auditório, com ótimas condições para o evento, fui recebido com um «pode sentar-se Dr.» por parte de um aluno pertencente à organização. Efetivamente os cabelos brancos são um «posto» e é bom sentir que a juventude distingue os mais velhos. Infelizmente, por motivos profissionais, não pude assistir aos três dias de conferência, mas pelo que vi, não podia ficar com melhor impressão do rumo que a educação está ter.
A palestra que assisti intitulava-se «Aproveitamento dos Rios nas zonas ribeirinhas versus poluição». A caracterização do recursos hídricos, nomeadamente a disponibilidade de agua para a tornar potável, foi precisamente como aprendi no IST e na UBI.
Um aspeto que foi salientando, e que também aprendi no IST, foi a importância da ligação entre água e solo. Esta preocupação deve-se ao facto dos regimes torrenciais, à falta de planeamento urbano sem ter em conta uma política de solos, com a sua crescente impermeabilização, aumentando os regimes superficiais, temas que trabalhei no inicio da minha carreira profissional, no inicio da década de 80, quando ainda ocorriam cheias em Lisboa.
Na vertente microbiológica, as autoridades angolanas seguem as recomendações da Organização Mundial de Saude (OMS), uma vez que nas regiões tropicais a água é um veículo de transmissão de doenças, como febre tifóide, cólera, hepatite, disentria e poliomietlite.
Na contaminação química, felizmente não há produção intensiva de agricultura e o uso de fertilizantes é diminuto. No entanto, houve palestrados que se queixaram de algumas indústrias que poluem os cursos de água, sob a passividade das autoridades. Onde já terei ouvido isto?
No entanto, o Eng.º Pascoal, não se mostrou preocupado atendendo a que são situações esporádicas e os regimes hidrológicos acabam por baixar consideravelmente as concentrações. Porém, focou um assunto que também partilho preocupação, que são dos desvios dos cursos de água, causando problemas graves de erosão e transporte de sedimentos, muitas vezes por motivos ligados com a atividade industrial. A água tem o seu curso natural e quando a desviamos surgem sempre problemas para o «homem».
Efetivamente os poucos rios que já conheci em Angola, todos eles têm significativo caudal sólido em suspensão, provocando valores elevados de turvação e dificuldades às entidades gestoras no que respeita à qualidade de agua para consumo humano.
O mais interessante foi a parte do debate. Contei pelo menos 15 intervenções e perguntas numa sala com cerca de 50 participantes. E foi pelo tempo que não foi possível dar mais respostas. Saliento a postura do Eng.º Pascoal que apontou as inúmeras perguntas num papel e fez um esforço notável para responder a todas. Isto porque houve palestrados que apresentaram três e quatro questões, ou até mesmo, considerações.
Tal como as Nações Unidas recomendam, para o cumprimentos dos objectivos da Agenda 2030, a consciencialização e a prática tem de partir das comunidades locais, que se devem organizar, propor as suas soluções e ir interiorizando que o ambiente é global. E a partir daí a «pressão» tem de ir politicamente para níveis superiores.
Dundo, 7 de Novembro de 2019
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«No trilho das minhas memórias», crónica por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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