Júlio César nasceu de uma cesariana? Provavelmente não, embora muitos livros de História digam que sim. Vejamos…

Caio Júlio César, general e político romano, nasceu em 100 a.C. e morreu – assassinado – em 44 a.C. Ao contrário do que frequentemente se afirma, não foi imperador, foi um político que ascendeu aos mais altos cargos da República Romana, incluindo o de ditador vitalício. O primeiro imperador romano viria a ser o seu sobrinho-neto e filho adoptivo Octávio César Augusto. Isto não significa que César não tivesse a intenção de restaurar a monarquia e tornar-se de facto imperador. Nos meados do século I a.C., depois de grandes vitórias militares, sobretudo na guerra da Gália, partilhou o poder romano com dois outros políticos, Pompeu e Crasso. Este triunvirato, todavia, viria a desentender-se rapidamente e César fez-se aclamar ditador vitalício.
No entanto, para Júlio César alcançar o poder absoluto em Roma, foi preciso tomar uma decisão drástica, que desencadeou uma imparável sucessão de acontecimentos: o direito consuetudinário romano proibia os chefes militares de entrarem com as suas legiões na cidade, para não terem a tentação de as utilizar na conquista do poder; acampado nos arredores de Roma, a norte do rio Rubicão, César decidiu atravessar esta barreira simbólica e entrar em Roma em perseguição do seu ex-aliado Pompeu; diz-se que, ao fazê-lo, pronunciou a famosa frase «Alea jacta est» («Os dados estão lançados»; hoje diríamos «Seja o que Deus quiser); e «Deus quis» que ele tomasse o poder.
Embora tivesse governado com firmeza e sabedoria, reorganizando o imenso espaço romano do ponto de vista político-administrativo e económico, teve sempre a oposição da facção republicana, que se opunha à restauração da monarquia. Foi morto por um grupo de conspiradores no dia 15 de Março do ano 44 a.C. (os Idos de Março), que o apunhalaram quando se dirigia ao Senado. Shakespeare na sua tragédia «Júlio César» viria a imortalizar este momento, sobretudo através da famosa frase dirigida por César a um dos assassinos («Também tu, Brutus?!») e do discurso de Marco António ao povo.
As famílias patrícias romanas constituíam a élite social, uma aristocracia rica e privilegiada, de onde saíam os chefes políticos e militares. Os jovens patrícios percorriam ao longo da vida o cursus honorum (a carreira das honras), que geralmente culminava no Senado. Estas famílias tinham um nome que as distinguia dos plebeus (o povo comum) e dos escravos; pertenciam a uma gens – a gens Claudia, a gens Cornelia, a gens Tiberia, etc. César pertencia à gens Julia e daí o seu nome: Caio (nome próprio) Júlio (o nome de família) César (o cognome ou alcunha). Ora esta alcunha, segundo a etimologia mais aceite, significa «aquele que nasceu de um corte» (a palavra é da família de cisão, inciso, cindir, etc.).

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Durante a época romana, os partos normais eram apenas assistidos por uma parteira, a comadre. É curiosa a origem desta palavra: co+madre (em latim cum+mater), aquela que apoiava a dona da casa, a matrona, e, portanto, em parte também mãe. Quando as coisas se complicavam, a parteira chamava o médico, que, em caso de necessidade, podia utilizar instrumentos para extrair a criança (como os que vemos numa das imagens aqui reproduzidas) ou fazer aquilo que mais tarde se chamaria cesariana. Todavia, isso raramente acontecia, devido ao risco de violentas hemorragias e de infecções quase sempre mortais. Geralmente esta operação só era efectuada quando a mãe já estava morta, para salvar o bebé.

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Teria então Júlio César nascido de um corte no ventre da sua mãe? Devido ao facto de se acreditar que sim é que esta prática médica se passou a chamar cesariana. No entanto, tudo leva a crer que ele nasceu de um parto normal, uma vez que a sua mãe, Aurélia, viveu ainda muitos anos depois de ele nascer. Por outro lado, vários antepassados de Júlio César, incluindo o pai e o avô, usavam já o cognome de César. O mais provável é que tenha sido um desses antepassados a nascer de cesariana, tal como refere Plínio, o Velho.
Este cognome, aliás, viria a ter uma extraordinária longevidade: foi adoptado por Caio Octaviano (Octávio César Augusto) e, depois dele, por todos os sucessores imperiais, passando a ser sinónimo de imperador. Muitos séculos depois, o imperador da Alemanha passou a ser designado por Kaiser e o da Rússia por Czar.
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«Na Raia da Memória», crónica de Adérito Tavares
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