Não é o que podem estar a pensar! Neste caso tratam-se mesmo de padrinhos ou madrinhas, no contexto da Santa Madre Igreja. No meu caso pessoal, para além de não ter irmãos, também nunca fui Padrinho, salvo uma vez, com nove anos, em face da empregada lá de casa ter milagrosamente engravidado (ainda se pôs a hipótese da cegonha) e a minha mãe ter obrigado a criança a ser batizada à pressa. Para além da fatiota que levava, só me lembro da despedida à porta da Igreja de São Julião de algo que para mim não fazia sentido. O meu Avô materno jamais aceitou esta situação e a pobre da mulher teve de ir arranjar trabalho para outro lado. Convém salientar que decorria o ano de 1969.
Como tenho uns Padrinhos exemplares, acho que hoje estou em condições de poder exercer estas funções oferendo-me para isso publicamente ao cargo e responsabilidade. Pena é que não seja sujeito a sufrágio popular e também, quem opte por uma vida fora do contexto religioso, não se lembre de uma figura tão importante na educação dos filhos e filhas como são os padrinhos.
Efetivamente os meus Pais, mesmo com muita dificuldade em entenderem-se, souberam optar pelos melhores Padrinhos para o filho. A minha Mãe escolheu a Madrinha e o meu Pai o Padrinho. E ambos, fazem uma equipa que ainda hoje me dão um conforto familiar nas fases boas e más da vida.
Um dos requisitos que os meus Pais concordaram é que os meus futuros padrinhos deveriam ser bem mais novos do que eles, de forma a que ainda hoje tenho o gosto e o prazer de conviver com eles.
Outro aspeto que também foi acordado é que não deveriam ser tios ou avós. Efetivamente, na maioria das situações, os chamados Padrinhos -Tios, na minha opinião, acabam por ser mais tios que padrinhos.
A escolha recaiu em Primos, e curiosamente, casados pouco antes do meu batizado. A minha madrinha, para além de me ter de pegar ao colo já estava grávida da minha Prima Ana Isabel.
Um dos aspetos que mais notabilizam os meus Padrinhos, é que sabem distinguir os filhos dos afilhados. E louvo essa particularidade dada a sensibilidade que é necessário ter. Efetivamente a relação com o afilhado deve ser especial, mas nunca como a de um filho. O afilhado tem a vantagem de muitos problemas familiares «passaram ao lado» e assim aproveita o melhor que a família tem: o convivo e a amizade.
O facto de ainda conseguir gozar este prazer de vida, devo aos meu Pais. Se fossem vivos um teria 106 anos e a minha mãe 96. E este convívio faz-me recordar a minha infância, os gostos dos Natais em Moura, o prazer da planície alentejana onde se vê o trigo e o olival a perder de vista.
Também foi com os meus padrinhos que tive duas estreias na minha vida: a primeira travessia na Ponte Sobre o Tejo (hoje 25 de Abril) e ir ao estrangeiro: ter passado pela primeira vez a fronteira de Portugal. A localidade chamava-se Rosal de la Frontera, e mesmo sem passaporte lá consegui concretizar este sonho, dadas as boas relações do meu saudoso Tio Fernando Sá e Souza, com as autoridades aduaneiras. E na realidade foi uma odisseia, antes de tantas viagens que nunca imaginaria que as faria.
Estava «doido» e corria pelas «Calle» como se um prisioneiro tivesse sido solto de um cativeiro. Um problema para a minha mãe e tias me sossegarem. Nem os famosos caramelos que se colavam aos dentes resultavam. Recordo-me, no entanto, que de tanto correr comecei com sede.
E, realmente, desde novo nunca tive problemas de pedir ajuda fosse a quem fosse. E uma senhora estava à janela, provavelmente a ver as tropelias que ia fazendo, dirigi-me a ela e pedi «água». A palavra é comum com o castelhano e não foi difícil entender. Convidou-me para entrar na sua casa.
O calor da rua tinha desaparecido num fresco agradável. Levou-me à cozinha e encheu-me um copo com água. Nessa altura toda a gente bebia água da torneira e nem era preciso publicidade. O gosto era salobro, devido aos calcários daquela zona, mas era fresca e agradável. Entreguei-lhe o copo e disse «obrigado», mas subitamente senti que estava em Espanha e corrigi: «Gracias!»
Os meus familiares andavam doidos à minha procura. A pobre da Mãe já pensava tudo e ainda para mais no «estrangeiro». Como o Rosal de la Frontera é uma rua, não foi difícil. Obviamente que durante o regresso até Moura fui ouvindo o «responso» mas a minha Madrinha lá ia deitando agua na fervura: «Coitadinho, estava com sede.»
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Mas com tanta conversa acabo-me por esquecer o objetivo da crónica.
Em todos os meus aniversários, os padrinhos, telefonam sempre a festejar-me. Mesmo os que passei no estrangeiro, recebo sempre, mas sempre, os seus parabéns. E quando vou visitá-los tenho sempre o meu prato preferido desde garoto: a açorda de coentros com o ovinho escalfado. Há décadas que têm esta atenção para comigo.
Ao meu Padrinho devo o gosto pelo campo. Não tanto pela a agricultura, mas pelo andar, correr e sentir o cheiro do campo. E a outra paixão que me proporcionou foram os cavalos. Sou um aficionado pelo cavalo, pela sua inteligência, sensibilidade e amizade pelo dono. E felizmente consegui passar este gosto para as minhas filhas.
Os meus Padrinhos souberam-me transmitir os valores da amizade e da família sem o materialismo, por perto. Alias essa sua capacidade é um atributo que louvo, porque infelizmente, muitas vezes, escolhem os padrinhos como fonte de rendimento.
Obviamente enquanto estudei recebia sempre um vale postal no aniversário. Mas quando comecei a trabalhar, tal como o meu Pai o fez, o «menino» já tem condições de se sustentar e não precisa de mais ajudas.
Por isso manifesto publicamente esta minha disponibilidade de ser Padrinho. Mesmo sendo uma relação menosprezada, creio, a mística entre Padrinhos e Afilhados é muito para além das amêndoas (algumas até nos partem os dentes), é um porto de abrigo onde podemos encontrar paz e aprender valores que tendem a desaparecer. E, no meu caso, me trás as memorias da infância.
Tenho a sorte de estar a fazer este caminho ao longo de uma vida em que aquelas duas pessoas foram escolhidas pelos meus pais, para me acompanharem, na sua ausência.
E no meu caso tive muita sorte!
Obrigado Pai. Obrigado Mãe.
Moura, 27 de Julho de 2019
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Concordo contigo. Os meus Padrinhos foram escolhidoa entre os maiores amigos dos meus pais..