Havia no quintal dos meus avós paternos uma ameixoeira centenária e insolitamente corpulenta. A sua folhagem verde/espessa coroava um caule grosso, cinzento, torto e meio furado de velhice.

Ao final da tarde a passarada procurava-lhe a ramagem densa para garantir segurança nos acomodares noturnos.
Durante o inverno aparava chuvas, sustinha neves, esbranquiçava-se de geadas e gemia perante as fúrias de ventos impetuosos. Mas resistia heroicamente.
Na Primavera preparava-se para a frutificação. Ao assomar do verão já os frutos cresciam ante o calor que os fazia dourar e iam aguardando pelo momento da colheita. As ameixas mais maduras ondulavam-se na coruta ou nos extremos dos ramos e constituíam forte atração para a criançada que, frequentemente, investia na subida lembrando um bando de salteadores.
Devo confessar que atingir a crista das árvores nunca foi o meu forte. Chegava a ter ciúmes dos garotos que colocavam bem os pés e ascendiam, no caule, com confiança e sem risco. Ainda assim atrevia-me, ignorando as repetidas advertências de minha mãe, assaz conhecedora da minha inabilidade. Mas quando a teimosia obtinha sucesso olhava de cima como que a provar coragem e eficácia.
No fundo, o meu convívio com esta árvore traduzia-se em encontros quase diários, sobretudo na altura da fruta madura. De facto, eu sentia-me o dono dela.
Ora, numa certa manhã inverniça, sucessora de uma noite de tempestade, ao revisitar o quintal, encontrei-a jazendo no chão, tombada, de ramada colada à terra. O tronco havia sido quebrado pelo vento e alongava-se de forma inerte. A ramagem, deserta de pássaros, resumia-se ao que parecia ser um enorme feixe verde sobre o solo.
A visão da árvore, assim rendida ao temporal, sufocou-me de tristeza. Solucei e assolei-me num choro mal contido. Minha mãe, desolada, tentava consolar-me alegando que o caule já estava moribundo e que a queda se havia tornado inevitável.
Percebi, nessa longínqua manhã, a impossibilidade de travar o tempo a caminho da vetustez e, logo ali, perante os despojos da velha ameixoeira, juntei, a uma espécie de prematura saudade, a minha primeira noção de finitude.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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Amigo Capelo
A morte pertence à vida, é um desenlace inevitável, mas o Homem, instintivamente tenta retirá-la da sua consciência.
Um abraço do Nabais.
É bem verdade o que dizes, amigo Nabais!
Um enorme abraço.
Capelo