No passado fim de semana voltei a Moura, viver e vibrar, com as Festas em honra de Nossa Senhora do Carmo. A maioria vai a Fátima, mas eu prefiro e sinto mais devoção a esta Virgem, talvez por motivos familiares. Cumpri a tradição e inclusivamente fui ver a corrida de touros. Não sou um aficionado, mas respeito muito a festa brava, marco importante da nossa cultura, onde a nobreza e o povo convivem e vibram, à volta do touro de lide, no mesmo espaço. Acreditem que igualmente senti a alegria daquela gente, como se fosse um mourense de gema e até bati palmas de pé. Milagre? Quem sabe…
As Festas em honra de Nossa Senhora do Carmo, em Moura, duram sensivelmente 48 horas, sem paragem, ou como dizem os Britânicos «no stop». Ninguém dorme, ninguém descansa. E o touro anda por perto como convidado da festa.
Na realidade há sentimentos que não sei explicar. Não sou apreciador de futebol e também de touradas. No entanto, existem humanos que vibram com estes tempos livres como se entrassem dentro do jogo ou na corrida. Sentem o gosto, esquecem as tristezas e até, provavelmente, esquecem as divergências do passado.
No sábado, dia 13, levantei-me pelas 08:00 horas na esperança de encontrar um canto de sossego, onde pudesse escrever esta crónica, ler um pouco e até estudar. Foi impossível!
O povo, o verdadeiro povo, andava, e também deambulava, pelas ruas a cantar, a celebrar e mesmo as mais distintas senhoras, bem cedinho, enchiam as pastelarias a conversar e a celebrar a vida. Tal como nas terras sabugalenses nas Capeias, a Nossa Senhora do Carmo leva a Moura gente espalhada por todo o lado matando as saudades. Na realidade as desgraças que nos atormentam parecem desaparecer pelas expressões que faziam nos risos estridentes.
A pacatez da cidade alentejana torna-se numa terra de jubilo e de festa. Só anda triste quem quer!
Na Rua do Comércio, mesmo junto à capela de Santo Agostinho, ainda nem batiam as nove da manhã na torre do relógio centenário, e jovens com capas de toureio «bandarilhavam» os carros que passavam com risos de alegria e antevendo a «corrida» da noite como se tratasse dos treinos de fórmula 1 ou moto GP.
Sinceramente estou admirado como o Presidente Marcelo ainda não veio para estas bandas tendo em conta ser um apreciador de alegria, festa popular, neste caso muito peculiar. Mas curiosamente Sua Eminência o Cardeal Patriarca, D. José Clemente ex aluno do Colégio Pio XII, já por cá andou porque festeja o seu aniversario no dia da Senhora do Carmo e descobriu que esta terra alentejana era o marco português da grande devoção a esta Virgem.
Voltando à terra, e observando as casas, as ruas, os passeios, são as inúmeras lojas de comercio tradicional que se ainda mantém desde os meus tempos de criança, vencendo as grandes superfícies e a erosão do tempo. Apesar de algumas já terem fechado, sente-se que o comerciante tem uma relação quase «familiar» com o cliente, tornando-o amigo para toda a vida. Sinceramente já me cansa as lojas de Lisboa, que por muita simpatia em querer vender, a impessoalidade impera no relacionamento, porque o mais certo, é nunca mais ver o funcionário ou a funcionária naquela loja.
E nestes dias a grande parte do comercio abre as portas, sejam lojas de eletrodomésticos, roupas, relógios e até as farmácias (cheias de gente) aproveitando o aumento da população e a predisposição que muitos têm de comprar, nem que seja pelo ambiente de festa que se vive.
Um pais tão pequeno é tão rico em tradições. E mesmo falando a mesma língua, aqui sente um «português» cantado, tanto nos cafés como na rua, tornando rica e diversificada a nossa cultura.
A procissão é o ponto alto da Festa, onde tanta gente se reúne, desde crianças de colo a seniores que já lhes custa a andar, cantando o hino da Virgem do Carmo, em tom de cante alentejano, tornando, para crentes e não crentes, uma das manifestações culturais que envolve gente de várias classes sociais e, se calhar, até de confissões religiosas. Curiosamente os escuteiros e os escoteiros também vão de mãos dadas fazendo a guarda de honra à Virgem. O sentimento português torna a celebração um marco diferente de outras manifestações religiosas. E normalmente o trajeto são vários quilómetros, normalmente feitos pela torreira do sol de Julho.
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Tenho alguma tristeza que tantas festas populares, únicas pelo seu código genético, são essencialmente vividas pelas pessoas da terra. Tal como a Capeia Arraiana, não há o hábito de outras gentes virem viver dias de magia, onde as compras são o que menos interessa. Pergunto-me se estas celebrações também não são turismo? E não deveriam ser mais divulgadas? Realmente não entendo o motivo das entidades não efetuarem mais publicidade sobre estas tradições.
Tal como uma procissão, tourada, vacada, largada, jogos de solteiros e casados, romarias, capeias, tudo é património comum de ser português juntando ricos e pobres, benfiquistas, sportinguistas ou portistas, e permanecendo viva a terra que, em muito sítio do interior, tende a apagar-se.
Na verdade, aqui não vemos VIP, SIC Caras, revistas «cor de rosa». Resta-nos o Marcelo seguir o exemplo de D. Manuel Clemente. Porque como este Presidente é diferente, tem sido na realidade uma pessoa que pensa mais no seu povo no que nas ideias de Bruxelas.
E na realidade é mesmo do povo que se trata. E, mais uma vez, o povo do Interior!
Obrigado Nossa Senhora do Carmo.
Moura, 14 de Julho de 2019
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Belíssima crónica. Também sou devoto de Nossa Senhora do Carmo, porque quando era criança minha saudosa Mãe, em Terras Arraianas (e se ela gostava da festa brava – touradas . capeias), colocava-me ao pescoço o escapulário, peça em pano com a esfinge de Nosas Senhora do Carmo para me proteger