O programa anual das actividades do Clube de Leitores da Biblioteca Eugénio de Andrade do Fundão, além das sessões mensais em que se debate e analisa a obra de um escritor de língua nacional ou estrangeira, inclui uma viagem às raízes de um autor português.
Equipados com a camisola identificadora do Clube de Leitores e com a mensagem nela inserida, – «quem ama os livros gostaria infinitamente de ser livro» – da autoria do escritor Manuel da Silva Ramos, partimos para um lugar mítico da geografia queirosiana, Tormes, em Santa Cruz do Douro em Terras de Baião, onde se guarda a memória visível de Eça de Queiroz, numa Fundação com o seu nome. A palavra Tormes nasceu em «A Cidade e as Serras», o último livro discutido e analisado pelo Clube de Leitores do Fundão. Neste romance, Jacinto, a personagem principal que vive em Paris, vem instalar-se na Quinta de Tormes e dá-se o elogio à natureza portuguesa do Baixo Douro, uma paisagem rural inigualável.
É aí que vai viver Jacinto, casado com a Joaninha, a prima do seu amigo Zé Fernandes, e nunca mais sai deste lugar, renegando Paris e os modernismos. Jacinto virá para Portugal de comboio e desembarcará na Estação em Ermida (Caldas do Arego).
Eça de Queiroz foi o maior romancista crítico da sociedade portuguesa, mas neste livro «A Cidade e as Serras» faz da portugalidade, da ruralidade, da paisagem do território nacional o mais profícuo elogio. Trata-se de um romance repleto de optimismo e foi o último livro que escreveu antes de falecer.
No hall de entrada da Fundação deparamos com uma placa de mármore, afixada na sua última residência em Neuily-sur-Seine, Paris, assinalando ali a sua morte, colocada em 16 de Agosto de 1900. Em Abril de 1950 foi trazida para Portugal e aqui colocada.
Somos acompanhados por uma competente, conhecedora e esclarecedora guia, que começa por nos informar que noventa por cento do que está no livro «A Cidade e as Serras» é uma realidade desta casa.
Na primeira sala fixa-se essencialmente na cadeira de Jacinto e na mesa célebre onde era servida a refeição «arroz de favas e galinha frita», ementa que os caseiros naquela época tinham mais disponível.
Na segunda sala, há a biblioteca, fotografias de pessoas que viveram naquele solar, algumas peças e objectos pessoais, a secretária de trabalho, documentos de despesas… É-nos recordado que Eça de Queiroz era muito metódico e perfeito na sua contabilidade, na economia, tudo muito certinho nas suas actividades de diplomata, um bom exemplo que a maioria dos homens da política não seguem. Duas paixões o acompanharam sempre: a escrita e a diplomacia.
Na sala três, desperta a maior atenção a vestimenta chinesa de um mandarim, oferta do secretário pessoal do Rei D. Carlos, em homenagem ao romance «O Mandarim». Eça de Queiroz para a utilizar tinha de engordar umas dezenas de quilos.
Passagem pela sala quatro, onde se encontram inúmeros objectos pessoais do escritor e da esposa e o diploma de condecoração da Legião Francesa, além de diversa documentação.
Passa-se pelo quarto de dormida do escritor e finalmente chega-se à sala de jantar, com um terraço do qual se avista uma paisagem que praticamente é a mesma dos tempos de permanência de Eça de Queiroz naquele local.
Encontram-se muitas peças orientais, ofertas dos macaenses por aquele escritor ser um grande defensor dos seus direitos perante um Governador de Macau que os queria subtrair.
Uma passagem pela cozinha granítica onde se prepararam e ainda se preparam os alimentos para o corpo e a seguir a capela onde há o alimento espiritual.
No regresso, o insólito acontece no restaurante onde esperamos hora e meia para almoçar. Quando esperamos no exterior, passa um carro com dois altifalantes a anunciar o falecimento do senhor Boavida naquela comunidade e a hora do funeral. Todos os presentes são unânimes: no dia em que anunciarem a morte desta casa de repasto estaremos presentes para as exéquias. Valha-nos Santa Marinha do Zêzere.
Não é possível antecipadamente escolher o prato das favas de arroz com galinha da Quinta de Tormes.
Com a gentileza do leitor do nosso Clube, António Castelo Branco, temos oportunidade de visitar em S. Martinho dos Mouros o Solar de Solarenga, dos seus pais, com valioso património cultural e rural.
Antes da chegada ao Fundão, no recinto de Nossa Senhora dos Remédios em Lamego, retemperamos as forças com a partilha das nossas merendas (e que merendas!) num ambiente de são convívio e na melhor das harmonias.
Continuação de boas leituras…
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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