Tal como disse antes, são várias as quintas que compõem a Freguesia do Casteleiro. Esta de hoje – Quinta de Santo Amaro – julgo que seria na altura da minha infância a mais importante.
Anos 50 do século XX. Conheci muito bem a Quinta de Santo Amaro. É dessa grande realidade e desse mito que quero falar hoje.
O Santo Amaro que eu conheci
Primeiro ponto de aviso ao leitor. O Santo Amaro que eu conheci é naturalmente o da minha meninice e adolescência (anos 50-60). E esse Santo Amaro «faz» algumas diferenças em relação ao Santo Amaro de Joaquim Manuel Correia, que aqui vamos acompanhar parágrafo a parágrafo, se concordar.
Assim, e é a primeira diferença que quero assinalar: a Quinta de Santo Amaro dessa segunda metade do séc. XX não era foreira nem as pessoas que lá residiam eram rendeiros que pagassem renda ao Dr. Tavares de Melo. Pelo contrário: as terras eram todas dele, do Morgado, e os residentes eram criados da Quinta. Na altura, empregados ou trabalhadores não eram palavras que se aplicassem a estas situações.
O Morgado de Santo Amaro
O Morgado era o Doutor de Santo Amaro. Tavares de Melo. Quem era o Morgado de Santo Amaro de que tanto se fala e que enchia alguns mitos e lendas da minha meninice? Contava-se que não tinha acabado o curso de Direito. Alguém terá dito um dia a propósito disso: «Basta terem ido uma vez a Coimbra… já são doutores». E era. Para todos ele era «o Doutor de Santo Amaro»!
Mas há registos de que o investigador que sim, que era licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
O Morgado era uma personagem forte mas, também, um «bon-vivant». Com a resposta pronta para tudo na ponta da língua e com piada nos seus ditos. Esse era o mito, sei lá…
Leia-se Joaquim Manuel Correia: «Formado em direito pela Universidade de Coimbra, nunca precisou de utilisar-se das cartas por ter avultada fortuna; mas, além de notável «sportman», é artista distintíssimo, sendo digna de visita a sua belíssima vivenda. Os seus trabalhos de torneiro em madeira e marfim são perfeitíssimos, tendo sido premiados em exposições.»
Teria pois mais alma de artista do que de advogado ou jurista. Seria mais desportista do que agricultor ou gestor da sua propriedade vastíssima e muito rica.
Cito outra vez Joaquim Manuel Correia que, já em 1920 e tal escreveu sobre os produtos daquela verdadeira «lezíria» da Beira: «São de notar as saborosas melancias, criadas nesta quinta, sempre as primeiras, maiores e mais saborosas que aparecem à venda nas feiras e mercados dos concelhos limítrofes. Têm igualmente grande fama os queijos de Santo Amaro». E não falou ele do que nós víamos ao tempo da minha primeira juventude: campos de centeio e trigo e grandes batatais espalhados pelas baixas de Santo Amaro.
Observação pessoal dos anos 50-60
Por outra parte, vale a pena deixar aí esta nota de observação pessoal do tempo em que era muito pequeno e tudo me impressionava.
Em Santo Amaro eram as regueiras o que mais se me metia pelos olhos dentro.
Conheço bem os dois caminhos de acesso: um quando se vem de Caria e se sobe junto dos grandes estábulos doa Quinta; outro quando se vai do Casteleiro ou de Sortelha para Caria, subindo junto das casas dos trabalhadores e depois chegando à Casa Grande do Morgado.
Conheço bem cada uma das três ou quatro ruas ali antes do largo principal e depois a rua de trás, que circunda a casa grande e vai para as primaveras e alguns redis de ovelhas. Ovelhas, vacas, cabras,… havia lá de tudo: Batata, cereais (centeio, trigo, milho, aveia),… de tudo.
Melancias, de facto enormes e vistosas, como 30-40 anos antes já era visto por Joaquim Manuel Correia.
Mas o que mais me impressionava era o poço enorme ao pé do ribeiro, junto da ponte na estrada nacional e, sobretudo, as grandes valadas de água que, ao longo da estrada, levavam a água para a rega pelos campos fora, ao logo daquela baixa enorme e sempre fértil e sempre muito cultivada – tipo agricultura intensiva… São imagens de infância que perduram para sempre, estas.
Manuel Leal Freire
Permitam-me uma dupla homenagem:
– a Manuel Leal Freire, autor do soneto que pode ler a seguir; e a,
– Tavares de Melo, alvo do poema.
É assim:
QUINTA DE SANTO AMARO
Não conheci ninguém que possuísse
Ferfil tão nobremente afidalgado
Que no ser e nos modos exprimisse
As suas excelências de morgado
A Quinta de tamanho agigantado
A todas excedia em superfície
E em produção por agro cultivado
Não havia torrão que competisse
O titular do feudo, por seu timbre
Tal como granadino com seu mimbre
Foi entre as gerações um nobre elo
Quem com ele privou na sua Quinta
Não passará ali de sem que sinta
A falta do Doutor Tavares de Melo.
:: ::
«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
:: ::
Leave a Reply