Quem me conhece sabe o frenesim da minha vida. Na verdade, já fiz muita coisa, e nestes últimos anos sem dúvida que exagerei. O nosso metabolismo, o nosso sistema imunitário não são como as máquinas e os motores que conhecemos, e mesmo assim, quando excedemos os seus limites, acabam por avariar. No meu caso concreto sempre imaginei que me sentia ótimo, que aguentava a pressão e com um pequeno descanso estava pronto para o desafio. A realidade não é assim. E curiosamente mesmo que as análises estejam ótimas, com mais uns passeios no campo, o facto é que a nossa cabeça começa a fraquejar. Silenciosamente e sem darmos por isso! No final de uma fase que não desejo a ninguém queria expressar mais uma vez profundos agradecimentos aos amigos que tive, no trabalho e fora dele, mas acima de tudo à minha família, nuclear e não só, e ao médico que me acompanhou conseguindo mudar-me como ser humano, que praticamente já não era. O texto foi escrito em plena crise e alguns já o conhecem. No entanto não ficaria bem com a minha consciência se não o publicasse no Capeia Arraiana.
Não posso deixar de lembrar o meu irmão escuteiro António Alves Fernandes, que muita parecença tem comigo. Uma delas é ter uma vida completa de atividades e preocupações. O António, hoje recuperado e ativo, também se foi «abaixo» e foi a cabeça que o amarrou a uma doença que felizmente ultrapassou.
Acompanhando muito a doença deste meu amigo, comecei a sentir os primeiros receios, mas o facto é que não passava de uns momentos de reflexão em que, na realidade, nada fazia. Continuava numa aceleração e o tempo ultrapassava os 100 por cento de ocupação.
Nestas férias do Natal, num dos passeios que habitualmente faço com o António, em face de um telefonema que recebi, o meu amigo sentiu que não estava bem. Contrariei-o insistindo que nada sentia de preocupante.
Mas o facto é que me levou a um médico. Sem me aperceber, como um apagador varresse a minha memória, tive dificuldade em responder a «coisas» simples como o dia, mês ou ano, nome da minha mulher, das minhas filhas, onde terei nascido.
De repente entro num vazio fixando-me o medico com um ar preocupante. Em seguida fez-me uns testes que hoje já nem me lembro. No final o olhar pesado do doutor contrastava com um sorriso: «como estudante de Bioquímica, sabe bem que os órgãos mais importantes que temos são o cérebro e a coluna vertebral». Sem dúvida que a terrível depressão me batia à porta, mas com um toque tão suave que nem dava por nada.
Ao princípio fiquei aterrorizado com o que ouvia. Nem a tensão arterial ou o batimento cardíaco dava algum sinal de alerta. Todo o mal estava na cabeça, nas preocupações e na falta de descanso, mas um descanso que cortasse com as principais preocupações e algumas das milhentas atividades que tinha.
A opção era o isolamento e uma medicação que me motivasse o espírito. E sem dúvida que com o tempo a passar, as «brancas» de memoria foram desaparecendo, a voz deixava se de prender e comecei a entender que efetivamente não estava bem. O próprio pensamento fluía de outra forma, sem temor, sem medo.
Obviamente que a família teve um papel fundamental na recuperação. Estando fechado em casa era necessário ter um ambiente motivador. Caso contrário teria que ser internado. E, tal como os marinheiros, este «porto de abrigo» acabou por ser fundamental até que a «tempestade» acalmasse.
A melhor lição que tirei deste triste episodio da minha vida, foi a importância da nossa família nuclear como fator de estabilidade emocional. O prazer da companhia, do convívio, dos desentendimentos, das «nossas» vozes, acaba por nos dar o «alimento» suplementar que nos transporta à razão e ao equilíbrio do pensamento.
Mais que a medicação, a família neste caso acabou por ser «sagrada», como os nossos antepassados me ensinaram.
E sou sincero. Nunca, mas nunca, tinha pensado nisto!
Covilhã, 25 de Fevereiro de 2019
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Grande beijinho e abraço …Leninha
Nada vem à nossa leitura por acaso. Grato pela partilha.
Abraço
Obrigado meu Kamba. Sem saberes também estás nesta lista. Independentemente do futuro. Um abraço muito sincero
Gostei de ler. Reconfirmo que além das escolas (escola, liceu, universidade,…) a escola da Vida continua a ser onde aprendemos a viver e adquirir o gosto pelo que nos faz felizes, e a Família é sem dúvida o PILAR de suporte da nossa Vida. Votos de continuidade de boa saúde e felicidade, para ti e Família.