Se Eça de Queiroz tivesse conhecido Sortelha certamente que encontraria motivos suficientes para escrever mais algum romance!

Maria Gabada(1) era filha de ninguém e o seu marido também. Não herdaram nome de família, nem tinham alguém que os amasse verdadeiramente. Ela desejava amar alguém, sentir-se estimada e amada; também ele ambicionava ser desejado, estimado e amado. Foram um casal perfeito! Bem podiam ser um Romeu e Julieta ou Carlos Eduardo e Maria Eduarda! Se Eça de Queiroz tivesse conhecido as gentes de Sortelha não lhe faltaria engenho e arte para escrever mais um romance.
A sua infância é, por enquanto, totalmente desconhecida. Nada sabemos, onde foram abandonados, quem os criou… Quanto ao casamento, os registos foram tão bem guardados que não se sabe onde se encontram! Relativamente aos óbitos, ainda não consegui encontrar os respetivos assentos. O que sei resulta da consulta dos Registos de Baptismos Paroquiais de Sortelha.
Constituíram uma família numerosa, três rapazes e três raparigas, como era natural nesta época. A avaliar pela dimensão das casas, em Sortelha, tiveram uma casa pequenina, situada na Rua da Torre. No Inverno aqueciam-se uns aos outros! Sim, porque lenha não abundava para os pobres. Filhos de ninguém não herdam propriedades! Por esta razão, a prole numerosa, não era sinónimo de riqueza. Trabalhavam para os senhores ricos e viviam das suas esmolas. Delfim da Fonseca, quando surgia a oportunidade, fazia os serviços de estafeta para a Câmara Municipal, assim conheceu todos os caminhos desta região montanhosa e granítica. Atribuir serviços aos habitantes mais necessitados, para que pudessem sobrevir miseravelmente, era uma das preocupações do executivo municipal, tratava-se de uma forma de assistência social. Nos nossos dias as Câmaras Municipais continuam a tomar decisões desta natureza, apesar de iníquas, pois só beneficiam alguns. Para Maria Gabada restavam os favores das senhoras ricas, ir buscar água com o cântaro à cabeça, limpando as casas senhoriais e lavando-lhes a roupa no Poio. Era necessário alimentar os pobres para que os mais poderosos continuem a enriquecer.
Maria Gabada não esqueceu as origens, aproveitou um momento em que podia amamentar, conseguiu o estatuto de ama e criou um exposto, para acrescentar a família já numerosa e ganhar alguns tostões. Quem sai aos seus não degenera! Foi assim que o vigário Luís Leitão lavrou o termo seguinte:
“Exposto – Joaquim filho legítimo de pais incognitos que cria Maria Gabada desta villa de Sortelha freguesia de Nossa Senhora das Neves Bispado da Guarda veio batizado, o que constou do escripto que trazia, e lhe pus os santos óleos no dia 28 de Março de Mil outo centos e cincoenta e dous de que mandei fazer este Termo que assignei dia mês e anno ut supra. O vigário Luís Leitão.”(2)
Os presbíteros Luís Leitão, Firmino da Costa Pacheco, Manoel Martins Fortuna, Joaquim Mendes Fernandes e o coadjutor Joaquim Sequeira Leal realizaram as cerimónias de batismo dos seus filhos.Com tantos batizados, casamentos e funerais (com particular destaque para a mortalidade infantil) todos os vigários eram poucos! A vida e a morte estavam sempre presentes! A qualquer momento era necessária a presença de um representante da igreja.
Se a generalidade do povo tinha um quotidiano repleto de privações, então, imagine-se o que seria juntar dois miseráveis abandonados!
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1. Em alguns documentos o nome está escrito com V (Gavada).
2. Arquivo Distrital da Guarda: Registos Paroquiais de Sortelha, Baptismos, consultável em:
PT-ADGRD-PRQ-PSBG32-001-00001_m0028.TIF
Exposto Joaquim, que cria Maria Gabada …..
3. Arquivo Distrital da Guarda: Registos Paroquiais de Sortelha – Baptismos, consultável em:
PT-ADGRD-PRQ-PSBG32-001-00001_m0017: Batismo de Joaquim ….
4. Arquivo Distrital da Guarda: Registos de Baptismos paroquiais de Sortelha, consultável em:PT-ADGRD-PRQ-PSBG32-001-00001_m0066: Batismo de João….
5. Arquivo Distrital da Guarda: Registos de Baptismos paroquiais de Sortelha, consultável em:PT-ADGRD-PRQ-PSBG32-001-00001_m0092: Batismo de Joaquina …
6. Arquivo Distrital da Guarda – Sortelha, baptismos 1861. Cx 82: Assento 16 -Villa- batismo de Maria
7. Arquivo Distrital da Guarda – Sortelha, baptismos 1865. Cx 82: Assento n.º 02, António – em 01-02-1865
8. Arquivo Distrital da Guarda – Sortelha, baptismos 1866. Cx 82: Assento n.º 25, em 21-10-1866- Batismo de Joaquina. O facto de existirem duas filhas com o mesmo nome deve significar que a primeiro faleceu.
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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