O meu plano é trazer aqui um resumo dos 38 meses e 11 dias da minha tropa: desde 21 de Julho de 1971 (entrada no Curso de Oficiais Milicianos da Escola Prática de Infantaria de Mafra) até 2 de Outubro de 1974 (aterragem no aeroporto militar de Lisboa, vindos de Luanda). Trarei apenas episódios marcantes, nunca esquecidos, que dormem acordados nos recantos da minha memória.
Alouete III – Um helicóptero que nos ajudava sempre
Estava-se pois nos idos de 1972-1074. Cabinda. Buco Zau. Bata Sano: sede do Batalhão responsável pela segurança e defesa de muitos Km2, a maioria na mata do Maiombe, famosa floresta virgem daquela zona da África.
Era minha tarefa guiar as missões do meu grupo de combate pela floresta dentro.
Se havia um problema, quer de guerra quer de segurança e se se justificasse essa medida perante as NEPs (Normas de Execução Permanente), competia-me a mim dar ordem ao radiotelegrafista ou ao ao homem das Transmissões para accionar primeiro as NTs (Nossas Tropas) e depois, caso se justificasse ainda, a Força Aérea – solicitando o apoio necessário:
– Hipótese 1 – Apoio com fogo de guerra, varrendo a zona e o perímetro em volta, de modo a garantir a nossa segurança e permitir fosse a reacção fosse a retirada;
– Hipótese 2 – Se necessário, garantindo também a evacuação eventual de homens inoperacionais no âmbito da situação criada, qualquer que ela fosse.
Isso, era o que diziam as NEP’s. Na vida real, na prática, era muito mais simples: os soldados sabiam que 15 minutos depois de chamada, a Força Aérea estava no terreno a apoiar-nos. Na mata, o meio mais eficaz e mais rápido (eficácia e rapidez eram as duas qualidades da intervenção que mais se exigiam…), o meio mais eficaz era a intervenção dos helis Alouette III.
Homenagem justa
É pois em homenagem a eles (helis e suas tripulações) que hoje me envolvo nesta recordação meio emocionada.
Certo e sabido: quando se pedia o Alouette III era porque a situação era dura e forte, para não dizer desesperada – depois de esgotadas as opções de combate terrestre. Entendido?
Daí a emoção ainda hoje, mesmo que contida e ou disfarçada no resto do texto. Mas aqui fica a minha justíssima homenagem:
Vivam os Alouettes III e as suas tripulações em Cabinda 1972-74!!!
Obrigado, Camaradas por tudo o que arriscaram para nos defender lá de cima, para lá das copas das árvores do Maiombe!!!
O som daquele motor ainda hoje me perturba
Primeira nota, ao falar dos helicópteros Alouette III: na mata, em pleno Maiombe, o som dos seus motores e das suas hélices constituíam uma espantosa imagem de marca: inconfundível, gravada nos nossos cérebros até hoje. De facto, ainda hoje, no local onde vivo, se um Alouette III sobrevoar a zona, é certo e sabido que todo o meu organismo entra em ebulição. Só alguns segundos depois é que me dou conta de que já não estou no Maiombe e que este heli vai ajudar outras pessoas: sei lá: pescadores, turistas aflitos com a ondulação… coisas dessas – e dou-me conta de que não é nada comigo e que desta vez não é o meu grupo de combate que está em apuros e não é a nós que desta vez o Alouette III vem apoiar…
O registo era sempre o mesmo.
– Vêm aí os Alouette!!!
É assim a primeira nota.
«Fim de vida» do Alouette III é neste mês
Mas um segundo apontamento imediato é o registo de que o Alouette III vai desaparecer da Força Aérea Portuguesa este mês. Pelo menos leio que terminaram a sua vida útil e «saudável» os menos de 10 que ainda sobreviviam.
«Força Aérea (…). Este é o ramo onde, da Guerra Colonial, restam uns quatro Alouette III. Estes helicópteros ligeiros, que podiam ser equipados com um canhão lateral de 20 mm e um sistema de lança-foguetes capaz de transportar 12 unidades, são ainda usados na formação de pilotos e em missões de busca e salvamento junto à costa. O seu fim de vida útil estava previsto para este verão, mas o ramo conseguiu estender esse período até ao primeiro trimestre de 2019», leio numa edição do «DN» de Agosto do ano passado.
(Continua.)
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«1971-74 – Os Dias da Tropa», por José Carlos Mendes
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