O meu plano é trazer aqui um resumo dos 38 meses e 11 dias da minha tropa: desde 21 de Julho de 1971 (entrada no Curso de Oficiais Milicianos da Escola Prática de Infantaria de Mafra) até 2 de Outubro de 1974 (aterragem no aeroporto militar de Lisboa, vindos de Luanda). Trarei apenas episódios marcantes, nunca esquecidos, que dormem acordados nos recantos da minha memória.
O que me resta da guerra
Muito. Muitas coisas. Mas muitas, mesmo. E, estranhamente, nem só coisas más. Mas essas são a maioria e, sobretudo, ocupam a maior parte do tempo, relativamente às coisas que considero boas – isso, na minha apreciação. Portanto: resta-me da guerra muito…
– …de BOM
– …e de MAU.
Como tem vindo a ler e como ainda vai ler por mais duas semanas ou três, se tiver interesse…
Em primeiro lugar, claro, para todos os que por lá andaram dois anos da sua vida, em primeiro lugar, repito: muitos fantasmas. Mas mesmo muitos. Como, por exemplo: hoje é o último dia; ou: é hoje; ou ainda: agora sou eu; ou também esta: hoje vai tocar-me a mim.
E, sempre, sempre: cuidado com as minas, os pontos perigosos, as curvas da morte, as viragens sem visibilidade. Cuidado com as barreiras de estrada sem que se veja o que está lá mais adiante…
Durante muuuuitos anos: fantasmas nas noites longas em que o sono demorava a chegar…
Mas também há coisas que me dominam sem a marca negativa, como por exemplo: a saudade do ambiente de camaradagem.
E também considero que o organismo assimilou muitas coisas positivas, melhor: de efeito final positivo, lá, naquele ambiente especificamente de pressão extrema, com todos os terminais nervosos levados ao extremo.
São exemplo dessa experiência que valorizo, contraditoriamente: o instinto de sobrevivência; a rapidez de raciocínio; a procura da melhor solução para cada questão em cada momento; a infinda capacidade de aguentar; o espírito forte de optimismo automático…
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Os TE’s («Tropa Especial»)
Naqueles dias, a nossa tropa já tinha alguns trunfos face ao adversário mais dinâmico e mais armado, o MPLA. E um desses trunfos, suponho, eram os grupos de TE’s.
Vou hoje explicar pela primeira vez por escrito o que era este factor e a sua importância relativa.
Começo pela minha impressão quanto à importância: muito pouca. Nem os profissionais da tropa (de capitão para cima e sargentos quase todos) nunca da parte de ninguém desses lados ouvi ou vi qualquer defesa da indispensabilidade dos TE’s. Pelo contrário: era rotina, OK, iam também os TE’s nesta ou naquela operação. Mas nunca por nunca ser vi algo do género: sem TE’s não há operação.
O que eram então os TE’s?
Basicamente, eram grupos de combate, minimamente armaditos (acho que a tropa não confiava neles e por isso não os armava), grupos esses formados por, ao que sei, antigos combatentes renegados do MPLA – não sei se também da UNITA. E não sei, sobretudo, se naquela zona alguns teriam antes pertencido aos independentistas da FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda). Julgo que sim. Mas não garanto.
Os TE’s, repito, eram como que um fardo que nós arrastávamos para as operações, mas que não nos traziam nenhuma tranquilidade. Esta é a verdade. Eram como que um peso morto.
Eu antes queria um simples guia, um morador que ia connosco pela mata dentro do que um grupo de 20 ou 25 ex-combatentes e actuais TE’s.
Atenção: aqui, TE significava «Tropa Especial»…
Próximos temas
Anuncio desde já que, na próxima semana, este relato, que se aproxima do encerramento, tratará dos seguintes temas ainda não abordados:
1 – A força do aerograma;
2 – O Allouette 3 vai chegar.
Espero por si, aqui. OK?
(Continua.)
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