O meu plano é trazer aqui um resumo dos 38 meses e 11 dias da minha tropa: desde 21 de Julho de 1971 (entrada no Curso de Oficiais Milicianos da Escola Prática de Infantaria de Mafra) até 2 de Outubro de 1974 (aterragem no aeroporto militar de Lisboa, vindos de Luanda). Trarei apenas episódios marcantes, nunca esquecidos, que dormem acordados nos recantos da minha memória.

Aproxima-se o 25 de Abril e por isso é natural que as reminiscências do final da guerra comecem a ganhar volume. É assim todos os anos. Quem não viveu essa crise, pode pelo menos imaginá-la…

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Mayombe, oyé!
Há uns bons aninhos, fui desafiado por um blog famoso de Lisboa («O Carmo e a Trindade») para descrever o meu 25 de Abril de 74.
E o que me saiu foi exactamente esta tirada na altura. Foi em 2007. Faz agora portanto já uns bons 12 anitos:
«Faz hoje 33 anos, estava em Buco Zau (melhor: M’ Buco N’ Zau: Buraco do Elefante, em plena Mata do Maiombe – um pedaço daquela exuberante e impenetrável floresta virgem tropical que cobre Cabinda toda, terra de muito cacau também.
Nem sei se nesse dia vesti o camuflado ou não. Só o usava quando tinha de ir à floresta: fosse para levar mantimentos a grupos de combate em operação, fosse para fazer escolta ao médico que ia visitar e dar consulta às populações (não estou a gozar: era mesmo verdade: no meu batalhão instituiu-se isso meio à revelia dos comandos).
Nem sei se nesse dia me cheirou propriamente a alguma bernarda que estivesse para rebentar aqui, onde agora estamos.
Digo isso, e penso que não, porque tinha cá estado de férias um mês e tal antes – e «apanhei» o 16 de Março. Além disso, recebia lá informação de uns amigos que estavam na França e que sabiam muito mais do que nós. Além disso, malta da tropa de Cabinda já nos tinham alertado de que algo iria acontecer. Além disso, havia uma espécie de ligação clandestina de alguns de nós a Luanda (nessa, eu não estava).
Os indícios eram muitos. Mas o que é facto é que só soubemos mesmo do 25 de Abril como coisa certa e segura e como coisa consolidada no dia 26 pelas 15, quando a «Radio Brazzaville» (leia mesmo à francesa, como deve ser) deu a notícia em grande estilo!
A partir daí, foi um vê-se-te-avias naquele quartel a mudar tudo num instante…
Em 2 de Agosto estava em Luanda à espera de avião – o que levou um tempão.
A 2 de Outubro estava em Lisboa e aterrava na Portela, com o batalhão todo».

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O elefante, Rei do Maiombe
Permitam que cite aqui uma nota que retirei da Wikipedia:
«Buco-Zau é uma vila e município da província de Cabinda, em Angola. Tem 2 115 km² e cerca de 40 mil habitantes. É limitado a Norte pela República do Congo, a Este pelo município de Belize, a Sul pela República Democrática do Congo, e a Oeste pelo município do Cacongo. Em fiote, dialecto local, mbuku significa “centro”, “sítio” ou “local” e nzau significa “elefante”. Embora a longa guerra por que Angola passou tenha diminuído o número destes animais, é possível ainda observá-los esporadicamente na área do município.»
Portanto: estive 25 meses no «sítio do elefante», que por acaso os naturais da terra nos ensinavam que seria o «Buraco do Elefante», em fiote.
Pois bem, agora refiro aqui uma lenda que ouvia sempre aos guias indígenas que nos acompanhavam nas operações na mata, sobretudo quando tínhamos de nos aproximar ou atravessar as sanzalas.
Diziam eles que ali no meio da floresta virgem (o Maiombe) havia um Buraco do Elefante, ou seja, uma vala para onde os elefantes de muitos locais dali e até de longe vinham quando «sentiam» a morte e começavam então a andar naquela direcção para irem morrer ao tal Buraco do Elefante. Ali, segundo alguns desses guias, havia muitos ossos dos elefantes já mortos espalhados por aquelas valas…
Verdade? Mentira? Imaginação? Crendice meio religiosa? O ar respeitoso com que eles sempre falavam do elefante pode encaminhar-me nessa direcção, sei lá…
(Continua.)
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«1971-74 – Os Dias da Tropa», por José Carlos Mendes
Para quem tenha interesse em aprofundar um pouco, faço notar que o Maiombe tem sido felizmente preocupação dos Governos da zona, como se pode ler aqui:
https://www.biodiversidade-angola.com/area/area-de-conservacao-transfronteirica-de-maiombe/
E há países dispostos a apoiar, como a Suiça. Ler aqui:
https://noticias.sapo.ao/actualidade/artigos/governo-suico-apoia-iniciativa-transfronteirica-do-maiombe