Chegando o frio, logo os grunhidos do porco em estertor atroavam nas aldeias, porque as famílias andavam em ronda de ajuda mútua, nas matanças, num sinal dos trabalhos comunais que se herdaram de outrora. Em muitas casas havia uma ementa que costumava ir à mesa comum nesse dia: a burzigada.

A matança, para além do abastecimento da salgadeira e do fumeiro, tinha funções sociais, Era um esperado convívio, que reunia familiares e amigos, trabalhando, conversando e comendo.
No termo da jornada, já com as morcelas dispostas no fumeiro, dava-se preparo à burzigada, petisco aguardado com grande ansiedade pelos que se reuniam à mesa na hora da ceia.
Comida sem pão é comida de lambão, e a burzigada leva ao extremo este conhecido adágio, pois tratava-se de espessa miga, de sabor divinal, se preparada com o devido esmero.
O sangue que se recolhera no barranho, cuja maior parte já fora aplicada na confecção das morcelas, servia também para dar preparo à saborosa e farta burzigada. A cozinheira metia ao lume uma panela, com água, sal, alho, duas folhas de louro, cebola picada e um ramo de salsa. Logo que a água levantasse fervura introduzia-lhe uma malga de sangue de porco. À parte, cortava pão em finas fatias.
O sangue, já cozido, era retirado da panela e “picado” a golpes de faca. Uma larga e funda almofia de barro recebia, alternadamente, uma camada de pão e outra de sangue, sendo a última deste. A cozinheira derramava depois a água da panela, onde o sangue fora cozido, sobre o preparado, tendo o cuidado de ir perfurando a miga com um garfo, para facilitar a boa penetração do líquido.
Depois vinha a missão mais delicada: pegando num testo largo, que cobrisse a almofia, escoava o que fosse possível da água que a ferver acabara de penetrar nas camadas de pão e sangue cozido.
Numa sertã, deitava uma colher de banha de porco, e chegava-a à roda do borralho. Estando o adubo em elevada temperatura dava o toque final ao preparado, distribuindo-lhe pela superfície o conteúdo da sertã.
Logo que pronta, a burzigada ia à mesa, pois era prato para comer no momento, não sendo apreciado quando tépido ou requentado.
Esquecida, a típica burzigada é hoje apenas confeccionada nalgumas casas de antiga tradição. Mas, sobrevindo as preocupações com a dieta alimentar, tornou-se comum substituir a banha derretida (o adubo) por azeite fervente, assim se atenuando o teor gorduroso desta ementa de antanho.
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«Contraponto», opinião de Paulo Leitão Batista
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Há anos que a não como! Mas era o meu prato preferido no dia da matança.
Grande abraço Paulo.