Esta semana deu-me para aqui. Vou tentar organizar algumas verdades gerais sempre enunciadas pela voz do Povo para mostrar que mesmo sem Escola, sem Liceu, sem Universidade, as pessoas sempre tiveram regras e modelos de vida para seguirem. E concluo mesmo que se trata de verdadeiros manuais da arte de bem viver. Leia e conclua por si…

Agricultura, suinicultura, animais domésticos… era preciso tratar de tudo. E assim era: cada família tratava das suas coisas e seguia as suas regras.
Esta crónica é sobre isso tudo, mas de forma sintética, como tem de ser… E os ditados populares ajudavam seriamente em tudo, como adiante se pode ver.
Hoje, até no título da crónica decidi incluir um conhecido ditado popular – foi para não perder o pé, digamos assim… para manter a coerência de todo o texto, todo ele baseado em pedacinhos da grande sabedoria popular adquirida, desenvolvida e aperfeiçoada ao longo sabe-se lá de quantos séculos…
Muitas sabedorias populares
Hoje, nesta crónica para mim de sabor muito especial, é dia de olhar lá bem lá para trás. Para aqueles dias da minha infância em que tudo parecia tão natural como acordar de manhã e ir para a escola dos rapazes…
Estas são coisas desses dias iguais uns aos outros e dessas pessoas que eram verdadeiras enciclopédias da arte de bem trabalhar toda a terra – sem que nenhum de nós suspeitasse nesses dias que daí por 30 ou 40 anos tudo começaria a ficar motorizado e automático.
Pior: que tudo ali ficaria um deserto (França, Lisboa, sei lá…) – e que viriam dias em que não haveria quem trabalhasse a terra.
E também não nos passaria nunca pela cabeça que hoje muita da escola é substituída por trabalhos de grupo, investigação pessoal ou com amigos, recurso à net, cópia de trabalhos inteiros – com nota máxima no final do ano: nota que não é de quem tem o nome na pauta mas sim de quem tem o nome na net – se é que me entendem…
Portanto, hoje é dia de recordar e guardar para memória futura.
São coisas do antigamente que hoje os telefones de alta gama não ensinam; nem os IPADs trazem; o Facebook não traz, o Instagram desconhece. O mail não transporta porque ninguém manda nem a net refere sequer… Coisas totalmente ultrapassadas – se é que me faço entender.
Vou dar apenas meia dúzia de exemplos, para recordarmos como os nossos pais eram sabidos…

Agricultura
Sabiam tudo o que interessava saber na nossa zona. E alguns sabiam ainda mais, pois em certas épocas do ano, iam para «longes paragens» trabalhar na agricultura desses sítios e com as regras desses novos e distantes patrões. Mas deixo aqui apenas estas tarefas, que conheci em directo, de tanto as ver:
– Estrafegar o vinho – era retirar o vinho da lagariça ou da dorna para os barricos, deixando o engaço para se fazer dele a aguardente;
– Enxertar as vides – era preciso saber mesmo fazer o garfo, se não, ia tudo por água abaixo e adeus bom vinho da nossa terra;
– Malhar o pão – Era com mongal. Nada de maquinaria. Vai de bater com cuidado, bater e bater até que o grão tivesse saído todo. Note que este «pão» de que aqui falo era centeio e do bom.

Gastronomia
Apenas um exemplo bem profundo:
– Laranja – Eis o que o Povo dizia com muita verdade:
De manhã é ouro,
à tarde prata,
à noite mata.
Sabem porquê? Ácido cítrico e fígado – estão a ver?

Meteorologia
Ôi… neste capítulo podia meter mil ditados populares que traduziam outras tantas leis da Natureza apuradas pelos antepassados e que batiam tão certo que em cada novo ano se confirmavam e eram repetidas:
– Em Abril, águas mil.
– Março, Marçagão: de manhã inverno, à tarde Verão.
– Em Janeiro, uma hora por inteiro (os dias são maiores, está a ver?).
E tantas mais…
Mas aquela que para mim resume toda a sabedoria meteorológica popular acumulada durante séculos é esta:
– Uma velha em Abril, queimou um carro e um carril,
Sobrou-lhe um bocado como um punho, ainda o guardou para Junho…
Ou seja: arranjem lenha pois pode haver frio até Junho: é melhor ter lenha que chegue até lá…

Gestão diária
Uma das vertentes destes aforismas populares te a ver com a gestão do dia-a-dia.
Apenas três ou quatro exemplos de todos conhecidos (ou não????)… Queira ler – e constate o alcance prático na vida diária – são verdadeiras peças de manual da arte de bem fazer o seu dia-a-dia o mais confortável e o mais bem pensado possível.
Pense nisto e conclua por si, por favor:
1
Na terra do bom viver,
Faz-se como se vê fazer.
2
A rico não peças
E a pobre não prometas.
3
Cá se fazem,
Cá se pagam.
…
E basta, por hoje: fic-me por aqui, pois estes capítulos são inesgotáveis e variam de terra para terra, pois, como sabe:
Cada terra com seu uso,
Cada roca com seu fuso.
>> Até para a semana. Volte sempre, OK?
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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Estes textos são um ” um mimo” para quem recorda os contextos.
Bem haja.