Hoje dedico a minha crónica a terras de Sua Majestade. Neste dia em que a escrevo ainda não sei se o «Britannia» rumou a Sul para aportar em terras da Europa. Mas sinceramente não acredito. Uma das músicas mais patrióticas, «Rule Britannia» onde elogia que os Britânicos nunca serão escravizados, pode tornar-se num «motim» dentro do navio devido aos problemas de equilíbrio interno que, por incrível que pareça, a União Europeia acabou por «ajudar» a atenuar. Mas a Inglaterra, país dominante do Reino Unido, é uma das democracias mais antigas da Europa, e respeita a decisão popular, mesmo que muitos achem um perfeito disparate.
Sem dúvida que os mais sensatos acham um perfeito disparate esta saída do Reino Unido da União Europeia. Muitas «fraturas» podem regressar, como o problema dos católicos na Irlanda do Norte e a Escócia, que detém grande parte das reservas petrolíferas, não está alinhada com esta decisão, uma vez que vai perder o apoio político de Bruxelas, que várias vezes negociou algumas contendas com o governo de Londres. Há ainda a soberania de Gibraltar que irá ser aproveitada pelos europeus para dificultar um entendimento.
No entanto o conceito de democracia nestes povos é levado muito a sério. E a decisão popular é soberana, doa a quem doer.
Tenho ouvido muita opinião sobre o futuro do Reino Unido e das relações com a Europa. Mas acho prematuro. A incerteza é grande sabendo-se, no entanto, que as economias do oriente continuam a crescer mais que a Europa e o Reino Unido, e a manter-se a mesma administração americana, não vejo outra alternativa do que um «casamento por conveniência», tornando na prática um relacionamento político muito idêntico ao atual, pese embora, em teoria, o Brexit ter acontecido.
A confirmar-se a afirmação da extrema direita em muitos países da União Europeia, sem dúvida que as bases da democracia britânica seriam úteis. Na Segunda Grande Guerra foi o Reino Unido que acabou por ser o último reduto da liberdade e daí partiu a contraofensiva que acabou por levar à vitoria militar da democracia. Também não nos podemos esquecer que a Resistência Francesa tinha um forte apoio em terras de Sua Majestade.
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Por outro lado, esta decisão de sair da União Europeia, vai incrementar as divisões e fraturas na sociedade britânica e irlandesa e também vai ser igualmente necessário um apoio europeu que atenue uma escalada de violência de atentados terroristas. Ao contrário dos anos 70 e 80, onde apenas existia o IRA, agora a principal ameaça são os radicais islâmicos bem organizados e implantados, principalmente em Inglaterra. É de toda a conveniência para ambos os lados se continuar a trabalhar em termos de segurança interna.
Ainda há uma ténue esperança do governo de May cair e precipitar novas eleições, aproveitando-se a possibilidade de fazer, em simultâneo, um novo referendo. No entanto acho pouco provável. Vai ser necessário que em cada aldeia, em cada bairro do Reino Unido as pessoas entendam que a ligação política com a Europa tem de continuar. As vantagens mútuas são evidentes.
E a Europa está a trabalhar nesse sentido, «encurralando» o espaço de manobra dos britânicos.
Para nós portugueses esta situação é algo fora de contexto. Não temos etnias separatistas, temos pouco hábito de respeitar referendos (por falta de participação popular) e quantas decisões políticas mudam como a rosa dos ventos por isto ou aquilo. E também se nota que não convém à classe política que decisões importantes sejam tomadas por referendo popular, pese embora os partidos, em bastidor, procurem acordos alargados em matérias mais sensíveis, muitas vezes sob mediação do Presidente da República.
Mas a verdadeira democracia é assim. E o navio «Brittania» volta a navegar em águas agitadas, gritando o seu povo que nunca será escravizado.
A História da Inglaterra é rica em «aventuras» e «desventuras», pelo menos desde a Magna Carta. Manifesto escrito em 1215, onde o poder do Rei Inglês foi limitado (sendo considerado o início do Constitucionalismo), obrigando-o a respeitar a lei e a reconhecer os direitos dos barões, permitindo decisões colegiais em algumas matérias como a segurança do reino, tendo este documento, em 1272, sido integrado no Direito Inglês.
Por isso, considero, que este acordo de saída do Reino Unido poderá ser igualmente uma Magna Carta onde a nossa civilização europeia e ocidental, fique reforçada, independentemente de se pertencer, ou não, à União Europeia.
Covilhã, 12 de Janeiro de 2019
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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