O meu plano é trazer aqui um resumo dos 38 meses e 11 dias da minha tropa: desde 21 de Julho de 1971 (entrada no Curso de Oficiais Milicianos da Escola Prática de Infantaria de Mafra) até 2 de Outubro de 1974 (aterragem no aeroporto militar de Lisboa, vindos de Luanda). Trarei apenas episódios marcantes, nunca esquecidos, que dormem acordados nos recantos da minha memória.
Vou hoje tentar dar uma ideia de como se vivia o dia-a-dia na minha zona de combate. Como já deixei claro, o Batalhão tinha a responsabilidade de áreas como o Buco Zau, Tchivovo, Pangamongo, Chimbete, Sangamongo.
Tudo o que acontecesse nestas zonas, era connosco.
Varrer uma zona
Ao que percebi naqueles 26 meses, a guerra de guerrilha, da nossa parte, Forças Armadas Portuguesas, era uma guerra de prevenção, de antecipação e de limpeza de território: «Vamos varrer a zona do Tchivovo.»
Isso significava, em geral, três tipos de acções:
1 – A Infantaria percorreria os trilhos e picadas para, em cada metro, se ter a certeza de que não haveria guerrilheiros armados prontos a disparar contra nós;
2 – Os Sapadores / Minas e Armadilhas, eventualmente, armadilhavam alguns dos locais previamente identificados como pontos críticos;
3 – A Força Aérea vinha sobrevoar ou de PUMA (heli) ou mesmo de avião a mesma zona para assutar mas também para – se necessário – despejar uns quilitos de trotil.
Uma Operação completa
As grandes Operações (mandavam as NEPs) eram minuciosamente preparadas pois nada podia falhar.
Assim:
1 – Ordem de Operações, elaborada e teoricamente supervisionada pelo Sector de Operações e Informações (SOI) – dirigido por um Capitão que depois foi promovido a Major e que era o meu Chefe. Nós ali elaborávamos tudo e teoricamente sabíamos de tudo o que se passava no território do Batalhão.
2 – Ao nível de cada Companhia, cada Capitão escolhia o ou os grupos de combate que executavam cada Operação. Teoricamente, eram feitas por escala: ora um ora o seguinte. Os grupos dentro de cada Companhia eram mesmo numerados: GC 1, GC 2 etc. Eram 4 por Companhia.
3 – Escolhido esse GC, havia depois que definir na Companhia se os meios ao dispor eram suficientes para o objectivo ou se era necessário pedir reforço.
4 – Com ou sem Força Aérea – essa era a primeira grande questão. E, em caso afirmativo, era necessário definir entre o SOI e a FA que meios podiam e ou deviam ser empenhados, em que horários, em que registo de meios de combate, quis os vectores de entrada e de saída da zona em causa etc.: tinha de estar tudo muito bem claro, pois não podia haver surpresas em baixo com ruídos vindos de cima (passe a expressão).
Nada podia falhar
Tudo resumido: não podia haver falha nenhuma da parte de nenhuma das partes envolvidas na Operação.
E, verdade se diga, o MPLA sabia disso e tinha muito respeitinho pelas Nossas Tropas. Até porque o diferencial de potência de fogo de cada lado era muito diferente.
Se tudo fosse accionado, o potencial de fogo das NT dava facilmente para arrasar todo o Maiombe de Cabinda e ainda sobrava muito material de guerra… claro.
Manda também a verdade que aqui diga que raramente havia falhas nestas matérias – coisa que o MPLA também sabia.
A maior preocupação de quem estava no terreno nunca era pensar que a FA faltaria no ar à hora marcada ou que as Minas e Armadilhas não tivessem colocado o material nos locais certos… Não! A maior preocupação era mesmo outra e bem mais comezinha:
– Eu não posso falhar: nem andar depressa demais nem andar demasiado devagar… para que tudo possa bater certo.
Dito aqui e agora isto tudo me parece muito simples e muito fácil. Até quase parece escusado estar a falar disto.
Mas lá, no terreno, no meio do mato, na floresta virgem, nos trilhos, nas picadas, nos locais onde podia haver minas anti-pessoais ou anti-carro, aí é que a coisa se complicava a cada pé de passada (literalmente!).
Bom Ano.
Oxalá que NUNCA MAIS haja disto para os nossos Jovens! Oxalá!
(Continua.)
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