:: :: PERSONALIDADE DO ANO – ADÉRITO TAVARES :: :: O Capeia Arraiana escolheu como Personalidade do Ano 2018, Adérito Tavares. O homenageado nasceu na Raia sabugalense em Aldeia do Bispo e é casado com Maria da Conceição Tavares. O filho João é licenciado em Direito pela Católica e a filha Ana Teresa é doutorada (nos Estados Unidos) em ciências biomédicas e investigadora no Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

Apenas este domingo, 23 de dezembro, o Professor Adérito Tavares vai tomar conhecimento com esta publicação da escolha para «Personalidade do Ano 2018». Em nenhum momento, no pedido de entrevista e quando nos recebeu de forma muito simpática em sua casa (onde estava «ocupado» com a esposa na muito digna «profissão» de «avós do Miguel»), o informámos do nosso verdadeiro objectivo.
Adérito Tavares tem colaborado com o Capeia Arraiana desde 2009 assinando crónicas de excelência sobre os mais variados temas com destaque para algumas estórias da História.
Vamos, então, dar a palavra ao nosso ilustre homenageado o raiano sabugalense Adérito Tavares…
– Professor Adérito Tavares, escreve desde 2009 no Capeia Arraiana onde tem publicadas cerca de 220 crónicas. Sente-se reconfortado com esse esforço e dedicação?
– São assim tantas? Não fazia ideia. Claro que isso me «reconforta» mas o mais importante é que elas tenham agradado aos leitores. O meu objectivo ficou logo definido com a escolha do título geral que encabeça essas crónicas: «Na Raia da Memória». Na verdade, com estes textos tenho procurado preservar aquilo que se encontra na memória de muitos de nós, raianos sabugalenses, numa fronteira difusa, no limiar do esquecimento, e que corre o risco de se perder para sempre. E narrar também algumas «estórias» da História, quase sempre numa perspectiva de relacionação passado-presente.
Sou filho de Justino Tavares e Maria Neves Nunes. Fiz a escola Primária em Aldeia do Bispo e depois segui o percurso de muitos jovens sabugalenses: o seminário. Filho de camponeses fiquei órfão aos quatro anos. O meu pai morreu muito novo com 29 anos. O meu pai veio a Lisboa em 1949 o que raramente acontecia nesses tempos. Deu-lhe uma dor no lado direito da barriga (apêndice) mas para azar dele (e nosso) o médico que o visitou em casa de amigos mandou aplicar-lhe sacos de água quente quando todos sabemos que devia ser precisamente o contrário, ou seja, deve ser aplicado gelo. A inflamação generalizou-se e a minha mãe foi chamada à pressa a Lisboa. Passados oito dias foi operado no Hospital da Estefânia mas já não havia nada a fazer e veio falecer – ou para sermos mais correctos esse médico matou-o – pouco tempo depois. A minha mãe regressou a casa dos meus avós e decidiram a minha ida para o seminário. Nesse tempo a maioria dos pequenitos do Sabugal iam para o seminário de Vila Viçosa mas eu, por influência de uma família amiga, fui para Santarém e estive por lá um ano. Depressa se percebeu que não tinha grande vocação para sacerdote e a minha mãe pediu a uma amiga – a dra. Margarida Silva, reitora do Liceu Filipa de Lencastre em Lisboa – que, como então se fazia, lá meteu uma «cunha» para eu ir para a Casa Pia.
Adérito Tavares, 6 de Dezembro de 2009, entrevista ao Capeia Arraiana
– Quem o conhece já lhe ouviu muitas vezes dizer que está sempre disponível para o chamamento do Sabugal. Faz parte do seu «sentido de vida»?
– Faz sobretudo parte da minha «identidade». nasci em Aldeia do Bispo e mantenho uma forte ligação à comunidade local sabugalense. Tenho muito interiorizado o conhecimento e o gosto pelas festividades cíclicas locais, pelas tradições regionais, pelo linguajar de influência transfronteiriça, pela gastronomia. E tento sempre responder positivamente aos apelos comunitários.

– E com a Câmara Municipal do Sabugal o momento mais importante foram as comemorações do Centenário da República?
– Participei em numerosos colóquios, encontros culturais e jornadas comemorativas. Enumero alguns: Congresso do 7.º Centenário do Foral do Sabugal, em 1996; Congresso Internacional sobre o Tratado de Alcanices, em 1997; Celebrações do II Centenário da Batalha do Gravato, em 2011; vários Encontros e Jornadas sobre tauromaquia popular, sobre o contrabando e sobre a emigração, sem esquecer as sessões de homenagem a ilustres sabugalenses, como Joaquim Manuel Correia ou Pinharanda Gomes. E, do mesmo modo, sem esquecer colaborações em jornais e blogues regionalistas, ou em revistas como a Sabucale ou a Praça Velha. Nesta última publicação acaba de sair um artigo meu sobre o Centenário do fim da Primeira Guerra Mundial. Em 2010, de facto, aceitei entusiasticamente o convite do Presidente António Robalo para presidir à Comissão que organizou as Comemorações do Centenário da República no Sabugal. Penso que, com a colaboração de muitas outras pessoas, conseguimos celebrar condignamente aquela data. Realço a participação das Escolas, tanto dos alunos como dos professores, bem como a exposição iconográfica e documental, e ainda as conferências pronunciadas pelo Professor Manuel Braga da Cruz, reitor da Universidade Católica sobre a Igreja e o Estado na I República, e pelo Professor Rui Vieira Nery sobre a Música na I República.
– Foi recentemente condecorado com a medalha de mérito cultural da Câmara do Sabugal. Foi um reconhecimento tardio?
– Sinto-me muito honrado com a atribuição da Medalha de Mérito Cultural do Município do Sabugal.
– Um dia disse que a melhor «condecoração» que recebeu foi uma carta da avó de um aluno. E foi marcante porquê?
– Para responder melhor a esta pergunta vou limitar-me a recordar (lendo) as palavras que pronunciei na Sessão de Atribuição da Medalha de Mérito Cultural, no Dia do Concelho, em 10 de Novembro passado: «Esta é a segunda medalha que recebo, a qual agradeço. Permitam-me, porém, que vos fale da primeira. Eu creio ser um dos raros professores que, em Portugal, leccionaram em todos os graus de ensino: nos 12 anos de escolaridade dos ensinos Básico e Secundário (antigos ensinos Primário, Preparatório e Liceal) e nos cinco anos de uma licenciatura (na Universidade Católica). Dessa longa experiência docente e abusando um pouco da vossa paciência, conto apenas um dos casos que marcaram indelevelmente a minha vida de professor:
Num dia quente de Julho, estava eu a fazer exames orais da 4.ª classe, numa escola primária de Setúbal, quando me aparece um rapazinho com o ar mais assustado do mundo. Nenhuma das minhas colegas examinadoras conseguia arrancar-lhe uma palavra. Desci da mesa do júri e sentei-me ao seu lado, brinquei com ele e abri o seu livro de leitura à toa. O texto falava de cucos e eu perguntei-lhe se sabia como cantava o cuco. Ele abanou negativamente a cabeça e eu desatei a imitar um cuco juntando as mãos em concha e soprando sobre os polegares ligeiramente abertos. Dali por alguns instantes abria-se um sorriso no rosto do menino e abria-se também o seu vasto saber de aluno da 4.ª classe de antigamente. Sabia tudo e aprovámo-lo com distinção. Meses depois, recebo em casa uma carta escrita com letra difícil e hesitante: era da avó do menino que eu examinei; enviara-a para a Direcção Escolar de Setúbal e dizia que nunca o seu netinho, criado por ela, tinha sido tratado com tanto carinho; e agradecia-me do fundo do coração. Nunca mais voltei a encontrar o menino do cuco, nem a sua avó, mas ainda hoje guardo aquela carta, cheia de erros de ortografia, como uma condecoração, como uma medalha.»
Terminei o curso em 1958 com a nota mais alta e obtive o Prémio Pina Manique desse ano tendo-me sido concedida uma bolsa de estudo. No entanto como concorri e obtive uma das primeiras bolsa de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian que estava a iniciar-se por essa altura e como os valores eram maiores optei pela segunda e fui estudar para a Escola do Magistério Primário de Lisboa. E ficou, assim, definida a minha vida profissional. Quando terminei o curso do Magistério com apenas 18 anos quem é que me convida para professor? O doutor João António Nabais, de Aldeia do Bispo, que estava a iniciar a instalação do famoso Colégio Vasco da Gama em Meleças, Sintra. Aprendi muito com o doutor Nabais. Estávamos no início da década de 60 e durante dois anos fui professor primário no Colégio Vasco da Gama.
Adérito Tavares, 6 de Dezembro de 2009, entrevista ao Capeia Arraiana
– Além de professor é um historiador com várias obras – escolares e temáticas – publicadas. Um dos seus livros tem como título «A Capeia Arraiana». Considera que as capeias são a grande marca diferenciadora do nosso concelho?
– Como os leitores deste blogue sabem, existem actualmente vários livros sobre a Capeia, entre os quais destaco o de António Pissarra e o de António Cabanas. Todavia o meu pequeno ensaio sobre esta prática da tauromaquia popular, tão característica da raia sabugalense, foi pioneiro. De facto, a Capeia Arraiana constitui um dos elementos distintivos da etnologia sabugalense e contribui decisivamente para a formação e afirmação da identidade local. Aliás, colaborei com o Dr. Norberto Manso no processo – aprovado – da candidatura da Capeia a Património Cultural Imaterial.
– Como vê e interpreta as polémicas sobre as touradas tradicionais? No seu entender estaremos a fazer tudo para nos posicionar de forma diferente nessa cultura?
– No «Encontro sobre Tauromaquias Populares» promovido há alguns anos pela Câmara Municipal do Sabugal apresentei uma comunicação intitulada «O forcão como elemento identitário da Capeia Arraiana», da qual publiquei depois uma síntese neste blogue. Uma das linhas-mestras dessa intervenção era esta: a capeia com forcão é uma festividade taurina de carácter popular única, onde o touro não é ferido e muito menos morto – quando existe sangue é sobretudo dos capeeiros –, limitando-se a um jogo de força, de destreza e de coragem entre um animal e vinte ou trinta jovens. Tradicionalmente, pegar ao forcão era uma prática reservada à «confraria dos solteiros» e constituía um ritual iniciático juvenil de entrada no mundo adulto. A defesa da Capeia como património antropológico local deve acentuar esta vertente de «jogo taurino».

No dia 19 de Maio de 1998 o tema foi o associativismo regionalista, a cultura raiana e «explicar» a Capeia Arraiana que iria ter lugar no Campo Pequeno dali a alguns dias integrada nas Festas da Cidade de Lisboa
– Tem participado em variadíssimas iniciativas da Casa do Concelho do Sabugal em Lisboa. Quer recordar algumas?
– Sou associado da Casa do Concelho há quase 40 anos. Colaborei com alguma regularidade num pequeno jornal publicado pela Casa a partir de 1978 [«Sabugal»], inicialmente dirigido por João Leitão e, mais tarde nos anos 90, pelo meu prezado amigo José Carlos Lages; apoiei desde a primeira hora a organização de capeias em Lisboa e a promoção do Festival «Ó Forcão, Rapazes», sob o impulso entusiástico de outro dos mais dedicados sabugalenses, Tó Chorão; participei num programa radiofónico na Rádio Renascença sobre a cultura local sabugalense; fiz algumas palestras sobre a história e a cultura local, incluindo uma sobre a gastronomia ribacudense. E, finalmente, integrei, entre 2014 e 2018, os órgãos sociais da Casa do Concelho. Importa ainda salientar a vertente cultural da Casa, traduzida, por exemplo, na realização de exposições e na apresentação de livros, que a Direcção anterior e a actual têm incentivado, na linha de uma prática que teve o seu apogeu nos anos 90, sob o impulso de dinâmicos sabugalenses como o Dr. Paulo Leitão Batista e o seu irmão José Leitão Batista, ele próprio artista plástico.
– Recentemente foi homenageado na Casa do Concelho do Sabugal em Lisboa. Ainda há espaço nas novas gerações para o associativismo?
– Os actuais órgãos dirigentes da Casa do Concelho entenderam homenagear-me, o que muito me honrou. Cabe-me apenas agradecer e reafirmar a minha disponibilidade para continuar a colaborar, sobretudo em iniciativas de carácter cultural.
Finalizei a minha licenciatura em 1973 e fui convidado para professor do Colégio Militar onde estive durante dois anos lectivos. Significa que passei o 25 de Abril dentro do Colégio Militar. Em 75 ingressei como professor convidado na Academia de Música de Santa Cecília – um dos mais prestigiados colégios do país – e onde me mantive durante 17 anos até 1991. Fui professor efectivo na Escola Secundária D. Filipa de Lencastre, junto à Praça de Londres, desde 1980 a 99, altura em que me reformei do ensino público. Entretanto, em 1991, fui leccionar para a Universidade Católica as cadeiras «História Contemporânea» e «Cultura Portuguesa» no curso de Comunicação Social. Sou co-autor com mais dois colegas dos manuais escolares de História para o 7.º, 8.º e 9.º ano que são usados em centenas de escolas do país e penso que também nas escolas do Sabugal. Além dos manuais escolares tenho 25 livros publicados…
Adérito Tavares, 6 de Dezembro de 2009, entrevista ao Capeia Arraiana
– Todos sabemos que o associativismo está em crise, seja ele de carácter político, sindical, cultural ou regionalista. Relativamente à Casa do Concelho do Sabugal, apenas a boa vontade de alguns sabugalenses voluntariosos, sempre na condição de pro bono, têm conseguido manter a instituição activa, lutando permanentemente com dificuldades de todo o tipo.
– Apesar dessas dificuldades, a Casa do Concelho do Sabugal em Lisboa tem desempenhado, ao longo dos seus cerca de 50 anos de existência, um importante papel na divulgação e na defesa da cultura e dos valores regionais. É inegável a importância deste nosso movimento associativo regionalista, que tem sobrevivido mesmo em tempos de dificuldades nacionais.
– A Capeia Arraiana vai voltar ao Campo Pequeno em Junho de 2019. Que «história» faz das muitas edições organizadas pela Casa do Concelho do Sabugal?
– Trazer a Capeia Arraiana a Lisboa foi uma das realizações da Casa do Concelho que mais contribuíram para a sua promoção e valorização a nível nacional. As obras realizadas na Praça de Touros do Campo Pequeno, em Lisboa, local onde desde o seu início tinham sido habitualmente realizadas essas capeias, tornaram caríssimo o seu aluguer. E a Casa viu-se obrigada a «emigrar» para outros redondéis, como o de Vila Franca de Xira ou o da Moita do Ribatejo, com óbvia diminuição do número de espectadores e dos lucros consequentes. Saudamos todos o esforço dos actuais corpos dirigentes da Casa do Concelho, que conseguiram negociar em boas condições o regresso da Capeia ao Campo Pequeno.
– A História fala-nos do passado. Como vê o futuro das nossas terras sabugalenses?
– Os actuais problemas com que se debate todo o interior do país são uma magna questão que nos ocuparia aqui muito tempo e espaço. Não são problemas só das terras sabugalenses nem são problemas só de agora, são cíclicos. Já nos meados do século XVI, dizia o poeta Francisco Sá de Miranda: «Não me temo de Castela,/ Donde inda guerra não soa;/ Mas temo-me de Lisboa/ Que, ao cheiro desta canela,/ O reino nos despovoa.» E, mais perto do nosso tempo, foi a França que foi «despovoando o reino». E foi o litoral. E foi…
>> Adérito Tavares no Capeia Arraiana… (Aqui.)
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O Capeia Arraiana entendeu considerar o ilustre natural da Raia sabugalense, Adérito Tavares, como «Personalidade do Ano 2018».
José Carlos Lages
O professor Adérito Tavares foi o meu professor primário em Almada desde 1968 até 1972, a partir daí nunca mais o vi. Tenho acompanhado no entanto o seu currículo académico e profissional. Foi um excelente professor e que me marcou muito pela positiva.Também sou professor e tenho colegas da disciplina de História que o conhecem. Ainda guardo fotografias de visitas de estudo que fizemos à zona de Setúbal e Arrábida e até um velho caderno diário, talvez da 3ª classe. Não me esqueço que por vezes ao sábado à tarde fazíamos jogos na escola muito do agrado dos alunos.
É com grande alegria e contentamento e enorme justiça que me associo ao reconhecimento como Personalidade do Ano do conterrâneo e ainda parente, professor Adérito Tavares.
Parabéns!
O professor Adérito Tavares faz o favor de me considerar ser seu amigo o que me honra muito. Tenho por este sabugalense raiano uma grande admiração e, sem dúvida, a decisão de o considerar como Personalidade do Ano é mais que merecida!