Antigamente designava-se por «Ó» o beberete, merenda ou convite, que se dava nas catedrais, colegiadas e mosteiros, em cada um dos sete dias antes do Natal, principiando nas primeiras vésperas da festa da Expectação que também foi chamada «Festa do Ó». Daqui nasceria a festa da Senhora do Ó.
Deu-se este nome ao tal beberete, ou merenda, porque todas as sete antífonas que se cantam nesses dias começam por «Ó», como que suspirando pela vida do Redentor.
Com o andar dos tempos vieram estas merendas a declinar para intoleráveis abusos, que os prelados não puderam de todo reformar, o que ditaria a sua extinção.
Em Lamego, em 1445, ainda reinava o abuso, porque nesse ano o bispo daquela diocese, D. João de Chaves, procurou comutar os convites, determinando que em vez de merenda dissessem os clérigos uma missa cantada de Requiem pelas almas dos bispos de Lamego, e houvessem por ela cinco libras ou 150 réis.
Transcrevemos parte do curioso documento assinado pelo dito prelado:
«De antigamente até agora foi costume nesta nossa sé e catedral darem-se sete Ós, ou convites, por sete dias antes da festa do Natal, ao cabido e cleresia da dita sé, de vinhos brancos e vermelhos, e frutas, e espécies, e confeitos, e tâmaras, e papas: cada um segundo mais abundantemente podia. E como se juntava muita gente de desvairadas maneiras, entre as quais havia vis pessoas, que depois que bebiam diziam e faziam muitas enormidades e alevantavam arruídos, e contendas, que eram azo de se seguirem algumas violências: ordenamos, e estabelecemos deste dia para todo o sempre que os sete Ós, ou convites, não se deem daqui em diante, e se mudem: e nós assim os mudamos.»
Já em 1518 os da Câmara de Freixo de Espada à Cinta com os três raçoeiros da colegiada daquela vila, também convieram que o Ó de vinhos e fruta que se dava ao povo, se desse à fábrica da igreja por estar muito pobre, arbitrando-o anualmente em 500 réis.
Terá sido desta «Festa dos Ós» que nasceu o culto a Nossa Senhora do Ó. Essa devoção mariana dizem ter surgido em Toledo, na Espanha, quando se estipulou que a festa da Anunciação fosse transferida para o dia 18 de Dezembro. Porém, pelo facto de, nas vésperas, se proferirem as antífonas maiores, iniciadas pela exclamação (ou suspiro) «Oh!», o povo teria passado a denominar essa solenidade como Nossa Senhora do Ó.
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«Histórias de Almanaque», por Paulo Leitão Batista
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