O Jacob não é judeu. É um padre missionário que presentemente desempenha funções na Escola Apostólica de Cristo Rei, em Gouveia, instituição cinquentenária que muito tem contribuído para a formação de jovens desde 1956. Mas esta congregação, Missionários de São João Baptista, também está presente noutros países, como é o caso de Moçambique, de onde o meu amigo Jacob, me enviou uma carta, ainda escrita pela sua mão, dentro de um envelope com selo.

Conta-me então o Jacob, que em Moçambique as cidades florescem, mas no interior profundo as desigualdades sociais têm-se vindo a acentuar. Mesmo com a ajuda missionária os recursos são escassos e a porta do insucesso não se fecha.
Recentemente, na localidade de Murrupula, esta missão conseguiu construir duas escolas primárias com a ajuda de uma ONG, com o nome de Helpo, que arrecadou a verba através dos 5% que os contribuintes portugueses podem livremente doar do seu IRS. A RTP fez uma reportagem que irá ser transmitida em Portugal. Sem duvida que a felicidade deste objetivo quase se convertia num milagre. E daí ter resolvido ter-me enviado esta carta.
A viagem partiu de Nampula, curiosamente terá natal da minha mulher Carla, num jipe com o radiador furado, e cheio de passageiros voluntários portugueses e moçambicanos, A equipa da RTP também teve lugar com um repórter de imagem e um jornalista.
Em África, estas longas viagens têm de ser pré-programadas e optar-se pelos locais de paragem e percurso, que à partida, oferece menos risco.
Durante o trajeto a imagem reteve os inúmeros caminhantes que vão pelas bermas, levando carvão, mandioca, tomates, quiabos, fazendo lembrar um supermercado ambulante numa passadeira de alcatrão. Haviam ainda bicicletas que levavam as mercadorias mais pesadas.
Indo com todo o cuidado, sabe Deus como está o Jipe, lá se viam passar ocasionalmente a toda a velocidade os «chapas», as carrinhas de transporte sem limite de passageiros, muitas delas com gente sentada nas janelas.

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Uma das paragens mais marcantes foi na Namaíta, uma antiga colónia que tratava de leprosos, tendo a RTP ouvido alguns testemunhos do passado.
A conversa, bem animada, foi andando com a viagem até à localidade de Murrupula, tendo o Jipe estacionado junto à imponente catedral da Missão de Nossa Senhora das Graças. Os murais mantinham-se, como há 10 anos atrás, atestando que a vida só tem sentido quando se lhe dá!
A RTP procurou filmar tudo e ouvir inúmeros depoimentos, quase atrasando a chegada ao destino.
Ao entrar-se na Vila de Murrupula, sentiu uma paragem no tempo, mas reparou num grupo de pessoas, na Praça da Independência, que queria cumprimentar toda a comitiva de voluntários e técnicos da RTP. A surpresa foi graças aos telemóveis que permitiram que rapidamente alguns habitantes soubessem da inauguração. No meio da azafama dos abraços e cumprimentos, uma galinha do mato ainda entrou para o jipe, que saltou das mãos de um professor moçambicano que ao abraçar a equipa a deixou escapar, tendo-a consigo para a ofertar a estes voluntários.
Ainda deu tempo para ir visitar um velho amigo, que, entretanto, sofreu uma trombose, tendo-o paralisado e obrigando-o a usar uns paus, como muletas improvisadas, para se movimentar. Foi muito emocionante este reencontro, com lagrimas de saudade e dor, mas que na bagageira do Jipe, vinha uma cadeira de rodas oferecida pela comunidade Cumberland, nos EUA, ofertou a meu pedido pessoal. Com tanta algazarra, muita gente começou a juntar-se ao grupo, não deixando por isso de matar as saudades de um adeus português a um amigo de sempre! O abraço de despedida foi silencioso por não se saber quando seria o próximo reencontro. A sua devoção a Deus e à causa cristã, antes e depois da independência, merecia, no mínimo, que o seu amigo o ajudasse a ter um pouco mais de qualidade de vida.
A viajem continuou por aqueles caminhos do interior moçambicano, curvados pelas cubatas, muitas delas empoleiradas umas nas outras. A viajem continuou atá Munimaka e Maunha, os locais onde foram edificadas e inauguradas as Escolas Primárias. A inauguração foi pela ONG Helpo, não esquecendo um grande número de contribuintes portugueses, tendo estado presentes autoridades do Governo Provincial de Nampula e do Distrito de Murrupula.
Muitos leitores acharão que esta bonita estória, é igual a tantas outras que há pelo mundo fora. No entanto gostaria de salientar dois aspetos: um é que os principais atores são portugueses e a outra, e talvez mais importante, que a Igreja Católica (tal como outras confissões) é mais eficaz na aproximação dos povos do que os responsáveis pela política externa.
Obviamente que espero que entendam as minhas palavras no sentido lato.
Um abraço Padre Carlos Jacob! Continue a lutar pelo acredita. Aqui ou além-mar!
Gouveia, 24 de Novembro de 2018
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«No trilho das minhas memórias», crónica por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Um grande Amigo e exemplo de vida.
Obrigado meu irmão escuteiro Abraço fraterno
Parabéns Alçada. Escreveste verdades… a Igreja faz muito pela “libertação” das pessoas nativas.